Luiz Ugeda*
A atual gestão da Fundação IBGE optou, em 12 de julho de 2024, por criar a “Fundação IBGE+”, uma entidade de apoio voltada à inovação científica e tecnológica. A nova fundação foi apresentada como solução para captar recursos de estatais e bancos públicos, atualmente vedados a Fundação IBGE.
A Adusp, Associação de Docentes da Universidade de São Paulo, apontou que, no último dia 9 de setembro, a Fundação IBGE anunciou, em publicação na sua intranet, que foi reconhecido como instituição científica e tecnológica (ICT) pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) e pela Advocacia Geral da União (AGU), em razão de sua atividade envolver ensino e pesquisa básica.
Para além deste ensino e pesquisa não ser nada nova, pois é uma função que a Fundação IBGE exerce desde pelo menos 1953 por meio da Escola Nacional de Ciências Estatísticas (ENCE), em um mundo algorítmico, rodeado de big data, internet das coisas e inteligência artificial, é primordial que os órgãos estatísticos (e também geográficos) tenham capacidade tecnológica a altura de nosso tempo. É legítimo, estratégico e desejável que a Fundação IBGE busque fortalecer seu caráter tecnológico, pois isso permitirá uma maior capacidade de inovação e adaptação às demandas contemporâneas.
Mas, maldito Maquiavel, os fins não justificam os meios.
O Decreto-Lei nº 161/1967, que cria a Fundação IBGE, estabelece a fundação como órgão central de atividades estatísticas e geográficas, mas não aborda diretamente o desenvolvimento ou a aplicação de tecnologias. O caráter tecnológico que o IBGE desenvolveu ao longo do tempo é resultado de uma atividade-meio decorrente de adaptações necessárias para atender às crescentes demandas por informações mais precisas e detalhadas. Um problema incrível a ser resolvido pelas sociedades algorítmicas, intensivas em tecnologias e dados.
A babusca russa de Pochmann, presidente da Fundação IBGE e da Fundação IBGE+, que cria uma fundação por uma fundação para exercer poderes de uma fundação, foi implementada sem consulta aberta aos servidores e à sociedade, nem audiências públicas ou seguindo um plano minimamente publicizado. Ela se baseia em uma interpretação controversa do Decreto-Lei nº 161/1967, situação que levanta questionamentos sobre sua legalidade e transparência por não decorrer de Lei Complementar definindo suas áreas de atuação, tampouco de aprovação de seu Estatuto por Decreto Presidencial como o próprio Parecer da AGU sugere.
Note-se que iniciativas autocráticas não tem sido exceção na Fundação IBGE. O Sindicato dos Trabalhadores do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (Assibge), conforme imagem abaixo, convocou protesto para o dia 26, situação que mostra o nível de a insatisfação com as mudanças unilaterais implementadas pelo presidente da entidade. Os funcionários pedem que Pochmann “altere o comportamento autoritário que tem marcado suas ações recentes e estabeleça um real processo de diálogo com os servidores em relação as diversas alterações em curso no Instituto“.
Não é difícil de a babusca de Pochmann vingar, mesmo sem ouvir a sociedade. O presidente da Fundação IBGE e da Fundação IBGE+ já demonstrou, mais de uma vez, ser uma pessoa do círculo mais próximo do presidente da República e com acesso para defender um decreto presidencial que justifique as opções realizadas. Mas a dúvida que fica é por que a opção não foi por obter um decreto regulamentando o Fundo Nacional de Geografia e Estatística (FNGE), instituído pela Lei nº 5.878 de 1973, e se atribui a capacidade a Fundação IBGE de captar recursos de estatais e de bancos públicos? Ou mesmo uma Medida Provisória estruturando o sistema como deveria ser, mostrando o perigo da demora em se modernizar financeiramente a Fundação IBGE em face da Inteligência Artificial?
A sociedade tem o direito de saber se estamos promovendo uma política pública adequada ou apenas criando cargos e funções sem seguir um devido processo legal rigoroso para intervir no processo estatístico do país, de tristes lembranças na América Latina em geral e no kircherismo argentino em específico. Há que se motivar a escolha, uma vez que há alternativas igualmente válidas e juridicamente mais sólidas, obedecendo princípios administrativistas básicos. Há que se trazer transparência e clareza sobre as verdadeiras motivações por trás dessa decisão.
*Advogado e geógrafo, pós-doutor em Direito (UFMG) e doutor em Geografia (UnB). Autor do livro Direito Administrativo Geográfico. Fundador e CEO da Geocracia Legaltech