Rosario Casanova: “Educação é chave para promover dados geográficos”

Rosario Casanova, presidente da Rede Acadêmica das Américas (Imagem: arquivo pessoal)

A presidente da Rede Acadêmica das Américas, órgão do Comitê Regional das Nações Unidas para a Gestão da Informação Geoespacial Global para as Américas (UN-GGIM: Americas), Rosario Casanova, defende que a educação é um aspecto fundamental e a chave para promover um uso adequado dos dados geográficos. Em entrevista exclusiva para o Geocracia, essa engenheira topográfica uruguaia que já foi directora do Instituto de Topografia da Faculdade de Engenharia da Universidade da República do Uruguai, afirma que para estimular os jovens a programar e interpretar mapas é “fundamental ensinar ou, pelo menos, tornar visível esse uso diário de dados geográficos, mesmo sem percebermos”. Expor o uso de dados necessários para se publicar um post nas redes sociais, usar um aplicativo de busca de um local de venda, procurar um endereço, ouvir música, ou assistir filmes seria um primeiro passo para a construção de uma sociedade espacialmente capacitada.

Cidades inteligentes, redes inteligentes, sustentabilidade e carros autônomos são expressões amplamente utilizadas em todo o mundo e dificilmente um cidadão comum não percebe a centralidade das infraestruturas de dados espaciais (IDE) nesse contexto. Como o UN GGIM age para disseminar esse conhecimento de IDE com essa finalidade?

Parece-me importante esclarecer alguns aspectos sobre o UN-GGIM e minha participação naquele grupo. A ideia do Comitê de Especialistas UN-GGIM surgiu em 2009 em reuniões informais com especialistas internacionais em gestão de informação geoespacial no âmbito da 9ª Conferência Cartográfica das Américas. O Secretariado das Nações Unidas apresentou um relatório sobre a coordenação global da gestão da informação geoespacial para aprovação do Conselho Económico e Social das Nações Unidas (ECOSOC). Sendo assim, o Comité de Peritos do UN -GGIM foi criado em julho de 2011, entre outras tarefas, com o objetivo de fornecer uma plataforma para o desenvolvimento de estratégias eficazes sobre como construir e fortalecer a capacidade nacional de informação geoespacial. Além disso, pretende divulgar as melhores práticas e experiências de organizações nacionais, regionais e internacionais em informações geoespaciais relacionadas aos instrumentos legais, modelos de gestão e normas técnicas.

Para atingir os objetivos do UN-GGIM, era necessária a construção de uma arquitetura regional por meio da criação de Comitês Regionais. Portanto, em 2014, o CP-IDEA tornou-se o Comitê Regional das Nações Unidas para a Gestão da Informação Geoespacial Global para as Américas (UN-GGIM: Américas).

Este Comité é composto por 36 estados-membros e tem quatro grupos de trabalho e quatro linhas de ação. Uma dessas linhas é a Rede Acadêmica, que visa a auxiliar e a apoiar os objetivos do UN-GGIM: Américas, atuar como subsidiária da Rede Acadêmica Global e ser o ponto de encontro de universidades e centros educacionais relacionados ao desenvolvimento e pesquisa em informações geoespaciais e tópicos relacionados. A Rede Acadêmica para as Américas foi criada em 2017.

Sobre a pergunta, os objetivos do UN-GGIM Américas estão enquadrados nos princípios da Agenda 21 da Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento para maximizar os benefícios econômicos, sociais e ambientais derivados do uso de informação geoespacial. Tudo isso com base no conhecimento e intercâmbio de experiências e tecnologias de diferentes países e em um modelo de desenvolvimento comum, que permite o estabelecimento de uma Infraestrutura de dados geoespaciais na região das Américas.

Quais são os principais desafios para a infraestrutura de dados espaciais na América Latina e no Caribe? Existe algum modelo de governança de países latino-americanos que possa ser destacado?

No âmbito do grupo de trabalho IDE, liderado pelo Chile, foram realizados levantamentos nos países membros sobre a situação das IDE nacionais. Nesse âmbito, foram realizados estudos comparativos (painel) e criado um indicador IDE para medir sua evolução em cada país.

O indicador é gerado a partir de um questionário, ferramenta metodológica dirigida ao representante de cada país membro. Este questionário é composto por categorias que permitem avaliar o estado de implantação das IDE: aspectos institucionais, recursos humanos, tecnologia, informação geográfica e normas – padrões.

No gráfico dos resultados obtidos para o ano de 2019, apenas um país (4%) está em estado inicial de seu IDE (Barbados); 15% (quatro países) estão no estado “em execução” de seu IDE (Paraguai, El Salvador, Dominica e Granada); 30% (oito países) estão em um estado “concreto” de sua IDE (Venezuela, Antígua e Barbuda, República Dominicana, Guiana, Saint Martin, Nicarágua, Bahamas e Guatemala); 30% (oito países) estão em um estado “operacional” de sua IDE (EUA, Peru, Cuba, Colômbia, Panamá, Belize, Chile e Costa Rica), e 22% estão em um estado “ótimo” de seu IDE (Canadá, Equador, Argentina, Honduras, Uruguai e México).

[O Brasil não respondeu ao questionário e, portanto, não está ranqueado. Perguntada sobre o motivo, Rosario explicou que o questionário foi enviado ao Ministério das Relações Exteriores, a quem caberia designar os órgãos respondentes.]

Em um mundo em que os países se dividem entre os que programam e os que são programados, como a América Latina poderia desenvolver uma política educacional para que possamos estimular nossos jovens a programar e interpretar mapas?

Parece-me que a educação é um aspecto fundamental e é a chave para promover um uso adequado dos dados geográficos.

Acho fundamental ensinar ou, pelo menos, tornar visível esse uso diário de dados geográficos, mesmo sem perceber. Como ao enviar um post para as redes sociais, usar um aplicativo de busca de um local de venda, procurar um endereço, ouvir música, assistir filmes etc.

Tornar a invisibilidade visível no uso diário desses dados é um primeiro passo para a construção de uma sociedade espacialmente capacitada.

A geração de campanhas de visibilidade desses aspectos resultará em um maior interesse pelo treinamento nessas tecnologias.

O Sistema de Informação Geográfica (SIG) nasceu com a epidemia de cólera de 1854, em Londres. Que lições a covid-19 deixa para o IDE?

Além das lições que ele deixa para o IDE, comentarei o que ele nos deixou para dados geográficos. Esta pandemia deu uma grande exposição às informações geográficas, os painéis passaram a ter notícias mundiais, assim como o uso massivo de vários aplicativos que focam em dados de localização, como, por exemplo, alertas de proximidade.

Uma exposição que tem as suas vantagens, pois lança o olhar dos governantes ou decisores sobre a relevância dos dados geográficos e estatísticos (muitas vezes esquecidos em vários dos nossos países). Se conseguirmos aproveitar este momento, podemos incentivar o investimento de recursos para captar, manter e sustentar dados geográficos úteis.

Por outro lado, nos deparamos com o risco de seu uso indevido, destacando uma grande questão, que é o uso ético de dados, os geográficos em particular e nos quais a privacidade dos dados geográficos assumiu um papel proeminente na agenda geográfica.

O Brasil tem uma importância natural para o IED na América Latina devido ao tamanho de seu território, sua população e a maturidade de sua indústria geoespacial. O que o Brasil pode aprender com a governança de IDE com outros países?

Não conheço profundamente o IDE Brasil e, portanto, não cabe a mim comentar o que o Brasil pode aprender com outros países.

Acredito firmemente que a sinergia com outras SDIs permite um intercâmbio fundamental que sempre resulta em aprendizagem conjunta para todos.

De qualquer forma, acho interessante que o Brasil faça um estudo comparativo multitemporal sobre os níveis de desenvolvimento desses quatro componentes principais: recursos humanos, tecnologia, instituições e informações e padrões.

Agora, se eu puder sugerir, aconselho que o ensino do uso ético de dados geográficos seja incluído forte e massivamente no currículo acadêmico.

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