Edmilson Volpi*
Se você pensa que as dificuldades para confeccionar um globo terrestre se limitam ao encaixe das partes impressas sobre a superfície esférica, saiba que está redondamente (ooops) enganado. Um dos maiores problemas enfrentados por quem elabora essas peças fascinantes que enriquecem bibliotecas e salas de aula ou decoram ambientes é acomodar as diversas questões territoriais geopolíticas. Fabricar um grande lote de globos para o mercado indiano, por exemplo, retratando a Caxemira como território autônomo (ou dividido entre Índia, Paquistão e China) vai certamente gerar prejuízos, talvez até obrigando a inutilizar o produto.
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Em uma entrevista para o site Atlas Obscura, Kevin Dzurny, cartógrafo-chefe da Replogle Globes, um dos maiores fabricantes de globos dos Estados Unidos, conta que teve de aceitar de volta todo um carregamento enviado para o Chile. O material estava em espanhol, mas funcionários da Alfândega chilena repararam que as águas territoriais que o país disputa com o Peru desde o século 19 constavam sob domínio peruano, conforme decisão da Corte Internacional de Justiça de Haia, em 2014. Os globos foram imediatamente devolvidos.
Situação parecida acontece com relação ao mercado chinês. Nenhum globo será aceito lá se Taiwan, país independente desde 1949, não estiver com a mesma cor da China, que reivindica o território e exerce forte pressão internacional para anexar a ilha. E isso afeta até peças que não seguem para o mercado chinês, como o caso do globo abaixo, fabricado pela italiana Nova Rico para o mercado brasileiro e que, mesmo assim, põe China e Taiwan com a mesma cor.
“É meio que uma piada, mas em certo sentido, quase sinto que poderia começar uma guerra”, diz Dzurny, explicando que a empresa trabalha com uma lista de 11 países que exigem cartografias especiais – Chile, China, Japão, Argentina, Turquia, Índia, Paquistão, Grécia, Israel, Ucrânia e Rússia: “Para vender globos nesses países, você precisa cumprir suas regras e regulamentos”, diz Dzurny, que, antes de produzir globos que serão enviados a esses países confirma ajustes específicos com as respectivas agências governamentais.
Globo terrestre sob encomenda
No caso dos globos para a Índia, citado com exemplo no início do texto, Dzurny explica que precisa garantir que as fronteiras da Caxemira estejam de acordo com o governo indiano, mostrando a região montanhosa disputada com o Paquistão desde 1947 dentro das fronteiras do país. Nos casos de dúvida, a empresa adota como padrão o World Factbook, site da CIA (Central de Inteligência Americana).
Obviamente, a chegada de plataformas como o Google Maps tornou-se o maior desafio para os fabricantes de globos, já que, hoje, qualquer um pode acessar mapas e informações geográficas em segundos – embora os problemas geopolíticos estejam longe de acabar, como mostra o caso da Nicarágua que, em 2010, usou um erro de fronteira da ferramenta on-line para invadir a Costa Rica.
Mesmo assim, empresas como a Replogle continuam produzindo globos, agora com foco maior nas vertentes decorativa e de design. Joe Wright, CEO da empresa, diz que sua linha Frank Lloyd Wright, série de peças desenhada em 1952 pelo famoso arquiteto americano, recentemente, experimentou um ressurgimento de vendas no Japão. Claro que, nesses globos, quatro das Ilhas Curilas são consideradas japonesas, conforme questão territorial com coma Rússia desde 1945.
Leia a matéria do Atlas Obscura no original e a tradução na página do Curiosidades Cartográficas.
*Edmilson M. Volpi é engenheiro cartógrafo e editor da página Curiosidades Cartográficas no Facebook e Instagram