O Brasil tem sua própria “Zimbábue” dentro de suas fronteiras. Com mais de 16 milhões de pessoas vivendo em favelas, as comunidades urbanas brasileiras atingiram um tamanho populacional e o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) de baixo para médio, comparável ao de um país como o Zimbábue. Segundo o Censo Demográfico 2022, esses territórios que, em 2010, abrigavam cerca de 6% da população nacional, agora representam 8,1% dos brasileiros. Esse aumento impressionante é resultado tanto do crescimento real dessas áreas quanto do aprimoramento das técnicas de coleta de dados, que agora incluem recursos digitais e georreferenciamento.
A realidade das favelas, entretanto, vai muito além dos números. Com um déficit de infraestrutura básica e altos índices de pobreza, esses territórios enfrentam desafios em termos de acesso a serviços de saneamento, saúde e educação. Ainda que o abastecimento de água e a coleta de lixo tenham avançado, a rede de esgoto continua distante para muitos moradores, criando um cenário de desigualdade que expõe a vulnerabilidade dessas populações.
Os dados revelam que as favelas são predominantemente compostas por residências horizontais. No entanto, o Rio de Janeiro, cidade com a maior proporção de favelas verticalizadas, também é o lar de algumas das comunidades mais populosas do país, como a Rocinha e Rio das Pedras. Essa verticalização, embora ainda limitada, é um reflexo da pressão por espaço nas grandes áreas urbanas, onde as favelas se concentram. Essas áreas, além de abrigar 83,5% das favelas brasileiras, são palco de uma intensa vida comunitária que inclui uma alta presença de estabelecimentos religiosos, quase sete para cada escola, indicando uma forte vinculação social e cultural dos moradores.
A questão habitacional nas favelas não pode ser vista de forma isolada. A proporção de pessoas pardas e pretas nessas comunidades é consideravelmente maior que no restante do país, revelando como o racismo estrutural está presente na configuração dos espaços urbanos. Não por acaso, as favelas tornaram-se locais de resistência e identidade para milhões de brasileiros que, ao longo das décadas, lutam por políticas públicas inclusivas e antirracistas.
A comparação entre as favelas brasileiras e as cidades menores do Zimbábue revela não apenas uma semelhança populacional, mas também aspectos de desigualdade que vão além dos números. Comunidades como Rocinha, no Rio de Janeiro, e Sol Nascente, em Brasília, possuem populações comparáveis a cidades zimbabuanas como Masvingo, que tem cerca de 69.000 habitantes. No entanto, enquanto Masvingo conta com um Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) baixo, refletindo os desafios de infraestrutura e bem-estar no Zimbábue, a situação nas favelas brasileiras é semelhante, com um IDH geralmente inferior ao das áreas formais das cidades brasileiras.
Paraisópolis, em São Paulo, com 58.527 habitantes, e Cidade de Deus, em Manaus, com 55.821, se aproximam de Bindura, cidade zimbabuana com aproximadamente 54.000 habitantes. O IDH de Bindura, classificado como médio para o padrão do Zimbábue, destaca uma realidade de acesso limitado a saúde, educação e renda. Nas favelas brasileiras, embora os números de IDH não sejam calculados isoladamente para essas áreas, sabe-se que as condições de vida tendem a ser significativamente piores que nas regiões centrais e mais desenvolvidas das cidades, aproximando-se dos índices de desenvolvimento de Bindura.
Outras comunidades, como Coroado, em São Luís, com 51.050 habitantes, poderiam ser comparadas a Chitungwiza, uma cidade zimbabuana maior, mas com um IDH baixo, refletindo os desafios sociais do país. Em áreas brasileiras com entre 30.000 e 40.000 habitantes, a realidade é parecida: essas favelas possuem IDHs que provavelmente estariam em níveis baixos, caso fossem medidas isoladamente, devido à falta de infraestrutura e de acesso a serviços essenciais. Assim como nas cidades menores do Zimbábue, esses territórios brasileiros carecem de investimentos para melhorar as condições de vida, com muitos moradores sem acesso adequado a saúde, educação e emprego formal.
A comparação com o Zimbábue serve como um alerta para a situação precária nas favelas brasileiras. Se, em termos populacionais, essas comunidades já rivalizam com cidades de países em desenvolvimento, é urgente que o Brasil encare as favelas não apenas como áreas informais, mas como espaços que necessitam de políticas públicas estruturantes. Transformar as condições de vida dos moradores das favelas brasileiras exigirá não só investimentos financeiros, mas também uma mudança de visão para ver essas áreas como parte integral das cidades, onde o direito à moradia digna e ao acesso a serviços básicos é fundamental para reduzir a desigualdade estrutural.