Recém-saído da presidência da TelComp (Associação Brasileira das Prestadoras de Serviços de Telecomunicações Competitivas), entidade que presidiu por 11 anos, o hoje consultor de empresas João Moura afirma que é essencial as agências reguladoras do setor elétrico e do setor de telecomunicações se unirem para buscar o desenvolvimento de um mercado de compartilhamento de postes com base 100% georreferenciada, um dos maiores desafios da geoinformação: “O ponto de partida para a regulamentação efetiva é resolver a falta de controle da planta dos postes existentes e as ocupações correspondentes”, disse o executivo, que por mais de 10 anos foi C-level de grandes empresas, além de sócio da PwC por nove.
Economista com MBA na UFRJ e educação executiva no MIT, Wharton e Stanford, Moura conversou com o Portal Geocracia e falou sobre os temas que mais preocupam o setor das telecomunicações, como a implementação do 5G e a privacidade dos dados pessoais dos clientes das operadoras de telecom.
Vivemos uma era em que os dados de todos estão cada vez mais expostos e vulneráveis, muito em função do gigantesco tráfego de informações pessoais que passa, em sua grande maioria, pelas operadoras de telecomunicações. Nossa privacidade nunca esteve tão exposta, mesmo com iniciativas como a LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais). Como as operadoras de telecom enxergam esse desafio?
A rápida transformação digital da sociedade e o avanço tecnológico das redes de telecomunicações geram aumento substancial no tráfego de dados online. Redes mais velozes permitem fluxos mais intensos de dados e, consequentemente, mais riscos. O problema tem duas dimensões: a segurança física das redes, incluindo seus data centers, e a segurança lógica das aplicações que utilizam dados pessoais. As teles investem em recursos técnicos para garantir que suas redes sejam íntegras e não permitam vazamentos. Nesse ponto, de forma geral, os resultados são bons. Na camada de aplicações, o risco é maior, pois a diversidade é grande e o controle mais complexo. Os casos recentes de grandes vazamentos de dados, inclusive das teles, têm ocorrido na camada de aplicações, mesmo naquelas utilizadas pelas próprias teles.
O 5G deve transformar as cidades em especial e os territórios em geral. Recente decisão do STF (Supremo Tribunal Federal) apontou que operadoras de telefonia e internet têm liberdade para instalar equipamentos de telecomunicações em vias públicas. Pela sua experiência, como será a relação entre a rede 5G e os planos diretores municipais e zoneamentos?
A tecnologia 5G exigirá mais antenas e mais redes de fibra óptica para conectá-las. Por outro lado, as novas antenas são menores e podem ser instaladas junto com outras infraestruturas urbanas. Postes de iluminação, fachadas de prédios, postes de distribuição de energia elétrica e outros podem ser usados de forma efetiva. O desafio agora é a atualização das legislações municipais para conciliar as necessidades de comunicação da população com aspectos estéticos e de segurança das instalações urbanas. A recente decisão do STF pacificou discussão sobre a autonomia de municípios na cobrança pelo uso de espaços públicos para instalação de redes, inclusive direito de passagem. A decisão foi positiva, pois evitou grande contencioso entre teles, municipalidades e operadoras de rodovias. Imaginem uma rede que cruze vários municípios. As teles teriam que ter contratos, cumprir as regras criadas por cada município e pagar o que cada um decidisse cobrar. Certamente, a expansão de redes, tão necessária, estaria comprometida. Em muitos países, em especial na Europa, existem políticas públicas e ações governamentais voltadas para diminuir custos, facilitar e acelerar a implantação de redes. Assim, busca-se racionalidade e eficiência dos investimentos que são importantes para a sociedade. O Brasil precisa ir nessa direção também.
O rastreamento de celulares para monitoramento da covid-19 foi um tema muito explorado no início da pandemia e largamente utilizado para controle da transmissão. As operadoras de telefonia têm meios de efetivar o rastreio dos celulares de forma muito eficaz. Na sua visão, há espaço para uma transformação deste serviço em um modelo de negócio que impulsione um mercado de startups de dados espaciais?
Para prestar serviço de comunicação móvel a operadora precisa saber onde está cada terminal o tempo todo. Só assim é possível direcionar a comunicação para as partes. O uso desses dados, já disponíveis, possibilita inúmeras aplicações, como controle de fluxos de tráfego de veículos, movimentação de pessoas nas ruas, acesso a transporte público, entre outras. A criatividade de startups encontra aqui terreno muito fértil para inovação. O que é delicado é como garantir a anonimização dos dados para não ferir direitos a privacidade. À medida que surgem novas aplicações, a “tentação” para avançar nos limites do direito à privacidade aumenta, e isto exige cuidado.
Apesar de todos os avanços tecnológicos, vivemos situações analógicas, como o compartilhamento de postes entre concessionárias de distribuição de energia elétrica (que os controlam e utilizam) e o setor de telecom (que só os utilizam). Como o georreferenciamento poderia trazer transparência para esta relação e a separação dos custos setoriais para os usuários?
Este é um tema complexo e permeado por conflitos. O georreferenciamento é essencial para possibilitar o controle de ocupação, a cobrança correta de aluguéis e para afastar redes clandestinas ou cabos obsoletos que sobrecarregam e enfeiam os postes. As distribuidoras de energia estão investindo neste tipo de controle, mas ainda é um processo lento.
Na sua visão, há como unir esforços entre Aneel e Anatel e entre as próprias concessionárias dos setores elétrico e de telecom para se buscar o desenvolvimento de um mercado de compartilhamento de postes com base 100% georreferenciada? Afinal, há estudos internos das agências que apontam para perdas de R$ 5 bilhões anuais pela má gestão do compartilhamento dos postes.
Unir esforços das duas agências é absolutamente essencial para resolver o problema. Além de legitimidade, as agências têm o conhecimento técnico necessário para regular a matéria de forma equilibrada entre os dois setores. O ponto de partida para a regulamentação efetiva (e a razão pela qual até agora os regulamentos antigos não produziram resultados) é resolver a falta de controle da planta dos postes existentes e as ocupações correspondentes. O atraso nessas providências, pelas duas agências, exacerba conflitos e motiva ações desarticuladas de prefeituras, Ministério Público e outras entidades, que não têm o conhecimento necessário para resolver as questões.