Edmilson Volpi*
Há cerca de quatro anos, quando foi arrematado por US$ 6.250 em um leilão na Swann Auctions Galleries, uma casa de leilões de Nova York, uma das edições deste mapa da Islândia de Abraham Ortelius, produzida entre 1590 e 1613, chamou a atenção do site Atlas Obscura. O motivo é que seu autor, o cartógrafo nascido na Antuérpia e famoso por compilar o primeiro Atlas da história, o Theatrum Orbis Terrarum, foi também um dos primeiros a mapear a Islândia, e, nesta peça em particular, soltou sua imaginação, inserindo detalhes impressionantes sobre a geografia da ilha.
Feito a partir de um mapa anterior, elaborado por dois islandeses, o matemático Andreas Velleius e o bispo Gudbrandur Thorláksson, Islandia chama a atenção por sua vibrante geografia, com uma enorme rede de povoados, fiordes e montanhas. Pouco abaixo do centro da gravura, pode-se ver o vulcão Hekla lançando uma torrente furiosa de lava em tons vermelho e laranja.
Como se trata de uma ilha, grande parte do mapa representa a água. E é nela que se encontra a maioria dos animais do mapa. No canto superior direito, ursos polares se equilibram sobre placas de gelo flutuantes. Mais abaixo, troncos e galhos de árvores levados pelas ondas flutuam no mar.
Muitos dos animais e criaturas extraordinárias foram trazidas de outros mapas. A inspiração de Ortelius vem claramente de Carta Marina, de Olaus Magnus, que, algumas décadas antes, havia desenhado um dos primeiros mapas detalhados do mundo nórdico, com águas cheias de criaturas dentadas e caudas afiadas. Outra fonte para essas criaturas assustadoras era um mapa de Sebastian Münster, cuja “fauna” também se inspirava em Magnus.
O peixe listrado com uma cabeça bulbosa e franzida devorando uma foca (rotulado como E. no mapa) se parece muito com Ziphius, uma criatura do mapa de Magnus. Ortelius indica que ele também procurou inspiração em Magnus para o porco-do-mar (letra D.), emprestando seu focinho de porco e a barbatana felpuda.
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Essas bestas marinhas não estavam lá apenas para horrorizar ou encantar. “Muitas delas foram tiradas do que os cartógrafos viam como livros científicos e confiáveis”, diz à revista Lapham’s Quarterly Chet Van Duzer, autor do livro Sea Monsters on Medieval and Renaissance Maps. “A maioria dos monstros marinhos reflete um esforço por parte do cartógrafo para ser preciso na descrição do que vivia no mar”.
Conheça algumas das criaturas que você adotaria se você comprasse o mapa.
O peixe fatal, com poderes de um unicórnio
O Naval (letra A. no mapa do topo da página) não é um espectador. A água escorre de dois pontos na sua cara carrancuda. Além de não ser boa para os olhos, a criatura também faz mal ao estômago. “Se alguém comer desse peixe, morrerá imediatamente”, adverte a legenda (traduzida do latim). Já em relação ao dente que se projeta sobre sua boca, a história era diferente. Acreditava-se que ele era um “bom antídoto e um poderoso remédio contra o veneno”, muitas vezes vendido como chifre de unicórnio, acrescenta a legenda.
A criatura com juba de cavalo e cauda de dragão.
O Hroshualur (letra G.) é um “cavalo marinho”, mas não possui semelhança com as criaturas translúcidas que flutuam em nossos aquários. O pescoço do equino e os cabelos desgrenhados evocam algo que galopa por terra, enquanto a cauda escamosa e os pés palmados lembram algo das cavernas mais profundas.
A baleia mais amigável do que parece
A Steipereidur (letra L., abaixo) possui longas presas que se sobrepõem aos lábios e uma boca que parece um bico afiado. O rosto é de mau presságio, mas pode ocultar uma personalidade doce. Esse gigante é “um tipo de baleia muito gentil e mansa”, garante a legenda, que os pescadores defenderão contra as espécies mais agressivas e mais selvagens.
O peixe que parece uma folha furiosa
O Skautuhvalur (letra I.) é “um pouco como um tubarão”, mas “infinitamente maior” e “totalmente coberto de cerdas ou ossos”. Tem o rosto de um esquilo com o corpo de uma folha de samambaia enrolada. Quando surge, é do tamanho de “uma ilha” e derruba navios facilmente.
O peixe que fica ‘em pé’
O Staukul (letra M.) não tem pressa. Com fome de carne humana, “foi observado de pé um dia inteiro sobre sua cauda”, esperando os marinheiros passar.
Leia aqui o artigo original e a tradução no Curiosidades Cartográficas.
* Edmilson M. Volpi é engenheiro Cartógrafo e editor da página Curiosidades Cartográficas no Facebook e Instagram