Edmilson Volpi*
Navegando pela versão digital de um jornal da Galícia, o editor do site espanhol Geografia Infinita, Gonzalo Prieto, confessa que ficou incomodado com o título de um artigo: “Gerardus Mercator: Por causa deste homem, a Europa acredita que é o umbigo do mundo”, para ele um clássico click bait, com intenção de atrair cliques com uma chamada sensacionalista. Segundo Prieto, acusar o famoso cartógrafo belga do século 16 de, com sua técnica cartográfica, aumentar o tamanho da Europa à custa de diminuir as terras que o “velho continente colonizou com sangue e fogo para justificar o colonialismo europeu é totalmente descabido. Não parece que era isso que ele estava procurando”.
Mas, então, o que buscava o criador da Projeção de Mercator, uma das técnicas mais utilizadas até hoje para representar o globo terrestre em folhas com duas dimensões?
O grande dilema da projeção cartográfica, e que desafia os cartógrafos até os dias atuais, é justamente como representar algo tridimensional em uma folha de papel com duas dimensões. No século 16, esse desafio era ainda maior, pois mapas com a localização das novas terras e rotas para lá chegar eram documentos altamente confidenciais e estratégicos para a soberania de muitos países.
Leia também:
- Por que o norte está sempre por cima nos mapas?
- O primeiro atlas da história
- O mapa que mostrou novos mundos ao Mundo
Mercator resolveu a questão da projeção de uma maneira simples, mas engenhosa, propondo a sobreposição da folha cartográfica em volta do globo, formando um cilindro (veja figura abaixo). Quando desenrolado, o cilindro, se transforma no mapa pronto, mas com um problema: quanto mais nos aproximamos dos pólos, maior a distorção, com as terras aumentando de tamanho.
O resultado é um mapa com suas porções mais ao Norte e mais ao Sul exageradas, como a famosa questão da Groenlândia, que, sim, é a maior ilha do mundo, mas não do tamanho da África, como se vê no mapa do alto dessa página; mas do tamanho do México.
Projeção de Mercator, chave para a navegação
Usando sua famosa projeção cilíndrica, Mercator criou a sua primeira carta, Nova et Aucta Orbis Terrae Descriptio ad Usum Navigatium Emendate (imagem abaixo), em 1569, revolucionando a cartografia da época.
Em sua página do Twitter, Neil Kaye, um cientistas de dados climáticos, montou uma animação que mostra bem as distorções provocadas pela Projeção de Mercator, corrigindo as dimensões dos territórios. Quanto mais claras as cores do início do vídeo, mais longe do tamanho real está o pedaço de terra:
Animating the mercator projection so countries and territories are correct size and shape in relation to each other.#dataviz #30Daymapchallenge #worldisnotflat #day28 pic.twitter.com/968GSBepA1
— Neil Kaye (@neilrkaye) November 28, 2021
Várias outras técnicas de projeção foram feitas posteriormente para tentar reduzir as distorções de Mercator e nos apresentar uma representação 2D da Terra o mais próximo da realidade possível. Para Pietro, no entanto, o problema nunca foi a projeção em si, que busca uma representação plana da terra com uma determinada finalidade, no caso de Mercator, facilitar a navegação.
Pietro acha muito difícil ver alguma intencionalidade na escolha Mercator, um homem que, por conta de sua visão do mundo, já tinha escapado da morte por heresia – essa sim uma ameaça real que pairava sobre as cabeças dos questionadores da época. “Ele não era um homem alinhado a nenhum mainstream, mas um simples retratista do espaço físico circundante, um cartógrafo, (…) um humano localizado em um ponto da Terra que viu o mapa do seu ponto de vista”.
Leia aqui o artigo original, e aqui a tradução no Curiosidades Cartográficas. em
Edmilson M. Volpi é engenheiro cartógrafo e editor da página Curiosidades Cartográficas no Facebook e Instagram