Aquawatch: Avaliar a qualidade da água por satélites é um desafio global

Usar satélites para verificar a qualidade da água é um método eficaz que nos ajuda a entender a condição dos rios, lagos e mares pelo mundo. Com câmeras e sensores especiais nos satélites, é possível coletar dados sobre quão limpa ou poluída a água está, incluindo informações sobre algas, poluentes e outros elementos importantes. Esses dados são muito úteis para cuidar melhor dos nossos recursos hídricos, alertando rapidamente sobre problemas como poluição e excesso de algas. Assim, cientistas e autoridades podem agir mais rápido para proteger a água, que é vital para o planeta.

O geógrafo brasileiro Igor Ogashawara, pesquisador de pós-doutorado no IGB-Berlin e professor visitante na Universidad de Concepción, no Chile, tem longa pesquisa na área e foi recentemente nomeado “Líder Emergente” pelo Grupo de Observações da Terra (GEO, na sigla em inglês) – parceria intergovernamental que coordena esforços internacionais para a construção de um Sistema Global de Sistemas de Observação da Terra (GEOSS). A premiação, concedida em novembro, na Cidade do Cabo, na África do Sul, foi motivada principalmente por sua atuação no GEO AquaWatch, iniciativa que busca desenvolver e construir uma comunidade para a utilização de dados de observação da Terra para o monitoramento da qualidade de água.

Due Diligence

A Geocracia realizou uma entrevista exclusiva com o Dr. Ogashawara, ressaltando o impacto de seu trabalho no desenvolvimento de abordagens inovadoras para enfrentar desafios ambientais globais. Suas pesquisas não apenas avançam no entendimento e gestão de recursos naturais, mas também servem de inspiração para cientistas emergentes e estabelecidos, promovendo um impacto científico nacional de alcance mundial.

O que o motivou a se especializar em Sensoriamento Remoto e recursos hídricos?

Para contextualizar esta resposta, preciso retroceder um pouco minha história, quando ainda frequentava o Ensino Fundamental no Colégio São Carlos, na cidade de São Carlos. Durante a sexta série (atual sétimo ano), tive a oportunidade de participar de um grupo de estudos chamado “Escola da Água”, organizado pela professora Lumena Aguena Valle, do Colégio São Carlos. Dentro desse grupo, pude realizar cursos na Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) e no Instituto Internacional de Ecologia (IIE). Foi nesse período que meu interesse pela Limnologia, o estudo de águas interiores, começou a se desenvolver.

Durante o Ensino Médio, fui contemplado com uma bolsa do CNPq de Iniciação Técnico Industrial no IIE, sob a orientação da professora Takako Matsumura-Tundisi e do professor José Galizia Tundisi, renomados na Limnologia no Brasil. Foi nesse período que iniciei meus próprios projetos de pesquisa dentro desse campo.

Ao ingressar no curso de Bacharelado em Geografia na Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, no Campus Rio Claro, desejava integrar a Geografia à Limnologia. Inicialmente, encontrei na climatologia geográfica uma maneira de relacionar essas duas ciências. No entanto, ao cursar disciplinas de Sensoriamento Remoto no terceiro ano do curso, descobri que poderia conectar esse campo da Geografia com a Limnologia. Foi essa a motivação para me especializar em Sensoriamento Remoto da qualidade de água.


Como suas pesquisas integrando técnicas de Sensoriamento Remoto e algoritmos para estimar parâmetros da qualidade da água estão auxiliando a conservação ambiental e nossa compreensão dos ecossistemas de água doce?

O monitoramento tradicional da qualidade da água geralmente se baseia na amostragem em algumas localidades de um ambiente aquático, seguido pela análise dessas amostras em laboratórios para quantificar os parâmetros de qualidade da água. Devido aos custos desse procedimento, a frequência é baixa, assim como a amostragem espacial, limitada a poucos pontos dentro do ambiente aquático. 

Portanto, ao desenvolver algoritmos que possibilitam a estimativa de parâmetros de qualidade da água em imagens de satélite, podemos aumentar a frequência do monitoramento do ambiente aquático, expandindo a área de monitoramento de alguns pontos para abranger toda a superfície do mesmo. 

Dessa forma, é possível ampliar a compreensão e a distribuição espacial da qualidade da água, especialmente em águas interiores comumente utilizadas para o abastecimento público. 

É importante ressaltar que o uso de imagens de satélite não deve substituir as amostragens tradicionais, mas sim ser utilizado como complemento para aprimorar o monitoramento ambiental.


Como suas experiências e reconhecimentos influenciaram sua carreira científica e sua abordagem em pesquisas atuais, impactando diretamente na resolução de problemas nacionais e internacionais?

As premiações e os reconhecimentos que obtive ao longo da minha trajetória serviram para consolidar a minha decisão de seguir na carreira acadêmica. Por exemplo, os prêmios nacionais na FEBRACE, os internacionais na Conferência Internacional de Jovens Cientistas (ICYS) e no Projeto Internacional de Sustentabilidade Mundial em Energia, Engenharia e Meio Ambiente (I-SWEEEP), durante o meu ensino médio, reforçaram a minha já existente vontade de ser cientista e continuar minhas pesquisas na área de recursos hídricos. Isso ocorreu muito antes de ingressar na graduação.

Essas experiências foram essenciais para o desenvolvimento de habilidades acadêmicas, como escrever relatórios de pesquisa, criar pôsteres e apresentações de slides, além de ler artigos científicos, entre outras. Desde muito jovem, iniciei minhas pesquisas, e essa bagagem contribuiu para minha decisão de buscar um doutorado e submeter meus próprios projetos de pesquisa.

Devido a esse histórico de envolvimento precoce com a pesquisa, busco constantemente incentivar as novas gerações a ingressarem no meio acadêmico. Tenho um grande prazer em orientar e formar as futuras gerações de cientistas, principalmente de geógrafos.

A recente premiação concedida pelo GEO destacou o fato de eu construir pontes entre diferentes áreas do conhecimento, gerações e iniciativas dentro do GEO, além de conectar o meio acadêmico à sociedade. Esse reconhecimento reforça a ideia de que minhas atividades mais recentes estão na direção certa. Percebo uma grande distância, tanto nacional como internacionalmente, entre o meio acadêmico e a sociedade. É crucial encurtar essas distâncias para que a ciência possa ser utilizada em benefício da sociedade.

Recentemente, tenho trabalhado com o GEO Indigenous Alliance, uma iniciativa que busca soluções de Observações da Terra para resolver problemas enfrentados pelos povos indígenas. Essa aproximação com a sociedade tem direcionado minhas abordagens mais recentes para pesquisas que possam efetivamente contribuir para a sociedade.


Como Diretor do GEO Aquawatch Cal/Val Thematic Node, como você vê a colaboração internacional moldando o futuro do monitoramento e gestão da qualidade da água?

Atualmente, há um esforço internacional para criar uma comunidade ativa no uso de tecnologias de Observação da Terra para o monitoramento da qualidade da água. Exemplos notáveis incluem o GEO AquaWatch (https://www.geoaquawatch.org/), uma comunidade dentro do Grupo de Observações da Terra (GEO) dedicada à qualidade da água. Outra iniciativa é o Grupo de Trabalho em Observação da Terra, parte da Aliança Mundial de Qualidade de Água (World Water Quality Alliance – WWQA). Este grupo originou-se do projeto europeu Water-ForCE (https://waterforce.eu/), do qual tive a oportunidade de fazer parte, contribuindo para um consórcio que elaborou um Roadmap sobre produtos relacionados à água do Programa Espacial da União Europeia (Copernicus).

Apesar dos esforços em criar comunidades internacionais, ainda há pouca participação de países do Sul Global. Dessa forma, faço o convite a todos que tenham interesse na área para se envolverem nessas comunidades.

Quanto a projetos de colaboração internacional, ainda estamos bastante limitados. Houve iniciativas para agrupar dados globais, como o GLORIA (GLObal Reflectance community dataset for Imaging and optical sensing of Aquatic environments, Lehman et al. 2023 – https://www.nature.com/articles/s41597-023-01973-y) ou o LIMNADES (Lake bio-optical measurements and match-up data for remote sensing, Spyrakos et al. 2017 – https://aslopubs.onlinelibrary.wiley.com/doi/full/10.1002/lno.10674). No entanto, esses bancos de dados carecem de harmonização na coleta de dados, sendo baseados em projetos de pesquisa.

Dentro do projeto Water-ForCE, destacou-se a necessidade de uma colaboração global para a aquisição contínua de dados, essenciais para a calibração e validação de produtos provenientes do sensoriamento remoto. Portanto, o estabelecimento desse tipo de colaboração representa um desafio global para este campo da ciência.


Quais tendências ou tecnologias emergentes em Sensoriamento Remoto e gestão de recursos hídricos mais o entusiasmam? Além disso, que conselho você deixa aos jovens cientistas e pesquisadores aspirantes a contribuírem para este campo?

O desenvolvimento de missões de sensores hiperespectrais tem despertado grande entusiasmo na comunidade de sensoriamento remoto de qualidade da água. Atualmente, algumas missões, como o PRISMA (Hyperspectral and Panchromatic Instrument) da Agência Espacial Italiana, o DESIS (DLR Earth Sensing Imaging Spectrometer), e o EnMAP (Environmental Mapping and Analysis Program) da Alemanha, coletam dados sob demanda. No entanto, é esperado que até 2028 tanto a NASA (Administração Nacional da Aeronáutica e Espaço) quanto a ESA (Agência Espacial Europeia) lancem sensores hiperespectrais para imageamento global.

Para o sensoriamento remoto da qualidade da água, um maior número de bandas espectrais permitirá a quantificação de um maior número de parâmetros de qualidade da água, expandindo o portfólio de produtos utilizados no monitoramento de recursos hídricos. Contudo, um dos maiores desafios enfrentados pela comunidade é o processo de correção atmosférica para águas interiores, pois ainda não foi desenvolvida uma solução global para corrigir os efeitos da atmosfera sobre essas águas.

Para aqueles que desejam contribuir nessa área, recomendo buscar a compreensão dos processos físicos da interação entre luz e água. Com o avanço das técnicas de inteligência artificial, percebo que muitas pessoas estão se concentrando diretamente nessas metodologias, dando menos ênfase ao entendimento da relação física entre a luz e a coluna d’água. Portanto, sugiro iniciar com o estudo dos princípios físicos do sensoriamento remoto da qualidade da água, especialmente em águas opticamente complexas. 

Além disso, recomendo participar de comunidades internacionais, especialmente para os jovens cientistas. Deixo aqui o convite para que os jovens cientistas participem da Sociedade para Início de Carreira (Early Career Society) do GEO AquaWatch, a qual fundei em 2022 e fui o primeiro co-chair em 2023.

* IGOR OGASHAWARA é Geógrafo de formação e limnólogo de coração, encontrando no Sensoriamento Remoto a oportunidade de conectar essas duas áreas. Estudando limnologia tropical no Ensino Médio, seu bacharelado em Geografia permitiu-lhe relacionar Climatologia e Sensoriamento Remoto à dinâmica ecológica de sistemas aquáticos interiores. Seu trabalho centra-se nas ciências ambientais, especialmente no monitoramento da qualidade da água.

UNINDO TECNOLOGIA E CONSERVAÇÃO, O BRASILEIRO IGOR OGASHAWARA SE DESTACA VANGUARDA DO MONITORAMENTO AMBIENTAL

Entrevista: Abimael Cereda Junior (MtB 91827/SP)

Fotografia e mini-cv: Enviados pelo entrevistado

Edição: Abimael Cereda Junior e Luiz Antonio Mano Ugeda Sanches

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