Base de Alcântara precisa de mais do que latitude competitiva

base de alcântara
Miriam Rezende Gonçalves: Base de Alcântara possui vantagens naturais competitivas, mas isso não basta (foto: arquivo pessoal).

Com duas décadas de experiência e pesquisa sobre o Programa Espacial Brasileiro, a jornalista, escritora e especialista em inovação Miriam Rezende Gonçalves não está otimista em relação ao futuro do setor no Brasil. Em entrevista ao Geocracia, ela diz que, mesmo com os avanços realizados nos últimos anos, o país está longe de se tornar uma potência espacial média nos moldes da Índia, por exemplo, que, apesar dos seus problemas socioecnômicos, soube se organizar e criar uma estrutura para isso.

“Os responsáveis pelo Programa Nacional de Atividades Espaciais (PNAE) e pelo Programa de Desenvolvimento Integrado do Centro Espacial de Alcântara (PDI-CEA) não entregaram o mínimo nesses quatro anos. Precisamos de uma gestão da governança menos apática e mais atuante para garantir condições de acesso ao centro”, afirma a autora do livro de ficção Alcântara, a história inspirada na História.

Ela cobra ainda uma infraestrutura adequada de apoio às operações espaciais que seja “voltada à exploração do setor e a criação de um ambiente de negócios que favoreça o ecossistema de inovação como um todo, em particular, da alta-tecnologia”.

Acompanhe, a seguir, a entrevista na íntegra.

Durante muitos anos, ouvimos falar no Brasil sobre projetos que previam alugar a Base de Alcântara para agências estrangeiras aproveitando as enormes vantagens de geolocalização para lançamentos espaciais. Basta estar próxima da linha do Equador para ser uma base aeroespacial competitiva ou precisamos ter uma legislação à altura?

Centros localizados próximos à linha do Equador, que são raros, possuem uma vantagem competitiva relacionada à sua posição e a respectiva economia de combustível associada. Contudo, outros aspectos também afetam a competitividade. Fatores como uma legislação que garanta segurança jurídica, um ambiente de negócios amigável e até mesmo uma taxa de câmbio favorável ao investidor externo são elementos que podem fazer diferença na decisão de investimento.

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Como está o avanço da Lei Geral do Espaço no Congresso Nacional?

A situação é um tanto quanto delicada… Após exaustivas reuniões conduzidas pelo Comitê de Desenvolvimento do Programa Espacial Brasileiro (CDPEB) criado pelo Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República (GSI-PR), em 2018, o documento oficial “vazou intencionalmente” para um parlamentar maranhense, que, aparentemente, retirou do arquivo a parte que diz respeito à DEFESA (GSI, Força Aérea Brasileira [FAB] e Ministério da Defesa [MD]) e protocolou o documento como um projeto de lei de sua autoria. Deste mesmo arquivo também foram excluídos os itens que envolvem e regulamentam as bases não-militares, uma realidade cada vez mais constante mundo afora, entre outros pontos importantes.  Ou seja, o documento protocolado pelo parlamentar não resolve os problemas que precisam de solução com urgência. Contudo, pela Constituição Federal de 1988, a iniciativa de um projeto completo é competência exclusiva do Poder Executivo. O documento trabalhado pelo CDPEB já foi concluído pela Agência Espacial Brasileira (AEB) /FAB/MD e deve seguir para o GSI para ter o prosseguimento burocrático normal, que é realizado pela Casa Civil e, em seguida, ser apreciado pelas duas Casas do Congresso Nacional.

Em recente artigo, você falou da questão do “seguro complementar” do Estado nas atividades espaciais. Isso pode emperrar a regulamentação da Lei Geral de Atividades Espaciais (LGAE)?

A LGAE é muito mais ampla do que apenas a questão dos seguros. A Lei visa oferecer segurança jurídica para os investidores. O seguro é apenas um ponto, cuja questão pode ser pacificada com discussões junto ao Ministério da Economia, Casa Civil e os outros Ministérios interessados. É importante e urgente que saia uma decisão, posto que o país precisa de uma Lei Geral de Atividades Espaciais moderna para que o Programa Espacial Brasileiro acompanhe (PEB) o crescimento mundial.

Ver a Terra do espaço pode ter uma importante repercussão econômica e jurídica. Recentemente, houve um evento nos Açores sobre a validade jurídica do uso de imagens de satélites. Ou mesmo a vinda de Elon Musk ao Brasil com a promessa de se usar a SpaceX para monitoramento da Amazônia. Qual é a real importância da geoinformação, enquanto setor econômico, para o desenvolvimento da indústria espacial?

A economia espacial está avaliada hoje em torno de US$ 400 bilhões, com perspectiva de chegar a US$ 1 trilhão em 2040. Os segmentos de lançadores e construção de satélites constituem uma pequena parte desses valores. Um grande segmento é o de aplicações espaciais. Daí a importância da geoinformação e dos serviços derivados que já existem e os que ainda podem ser criados. Se pensarmos que a sociedade da informação está cada vez mais real; se pensarmos que a sociedade está cada vez mais conectada, é justo imaginarmos que cada vez mais serviços e oportunidades serão gerados e supridos pelas tecnologias espaciais. O mercado das aplicações espaciais é muito amplo e diversificado, cada vez mais pujante e grande gerador de emprego e renda.

No seu entender, é possível projetar o Brasil como uma potência espacial média na próxima década, nos termos do que hoje é a Índia?

Acho difícil, por questões relacionadas à gestão. A Índia, mesmo sendo um país com problemas socioeconômicos similares ao nosso, se organizou de tal forma que criou um Ministério do Espaço e ganhou protagonismo no cenário espacial mundial. O Brasil está longe disso. Os responsáveis pelo PNAE e pelo PDI-CEA não entregaram o mínimo nesses quatro anos. Precisamos de uma gestão da governança menos apática e mais atuante para garantir condições de acesso ao centro e uma infraestrutura adequada de apoio às operações espaciais, voltada à exploração do setor, e, ainda, a criação de um ambiente de negócios que favoreça o ecossistema de inovação como um todo e, em particular, da alta-tecnologia.

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