O raro mapa do Dia D herdado pela Biblioteca dos EUA

Dia D
Mapa para desembarque na praia de Omaha, na Normadia, no Dia D, preparado pelo comando da Força Tarefa 122, em 21 de april de 1944.(Wikimedia Commons)

Edmilson Volpi*

Pouco antes das 7h30m da manhã do dia 6 de junho de 1944, após intermináveis minutos a bordo de um LCI (Landing Craft Infantry), embarcação que mais parecia uma caçamba de entulho, o tenente da Marinha americana Joseph P. Vaghi Jr., de apenas 23 anos, gritou em seu megafone para um bando de homens sob seu comando e que, dali em diante, faria história: “Avançar!”.

Em suas mãos, estava um mapa militar ultra secreto (igual ao que ilustra o topo desta página) da praia de Omaha, na Normandia, litoral noroeste da França, agora à sua frente. Vaghi havia passado os últimos dias rabiscando informações naquela folha de papel, fazendo os derradeiros ajustes na sua participação em uma das mais emblemáticas operações militares de todos os tempos, na qual mais de 160 mil militares aliados transportados por cerca de 5 mil embarcações começaram a pôr fim à dominação nazista na Europa.

Hoje amassado e esfarrapado, esse pedaço de papel colorido e impresso dos dois lados sobreviveu à violência daquele que ficou conhecido como o Dia D, quando 10 mil aliados morreram nas praias francesas. Sobreviveu ao tempo e ao próprio Vaghi, falecido em 2012. No fim do mês passado, sua família doou a preciosidade à Biblioteca do Congresso americano, onde a peça foi aclamada como um artefato raro de um dos eventos mais importantes da Segunda Guerra Mundial.

“É um milagre da cartografia”, diz Robert Morris, especialista em aquisições cartográficas da biblioteca, ao jornal Wahsington Post: “Temos muitos mapas ligados a guerras, claro. A guerra é um grande negócio de cartografia. Mas, que eu saiba, não temos nenhum que seja, realmente, um documento sobre o Dia D. É isso que torna esta peça particularmente especial.”

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O mapa que Vaghi carregou consigo quase toda a vida continha uma representação precisa da costa da Normandia, mostrando sua topografia, dunas de areia, sebes, casas, cemitérios, pântanos, aldeias, pomares, profundidades de água, cartas de maré e o setor Easy Red da praia de Omaha, onde Vaghi desembarcou.

Incluía ainda, na parte inferior, um esboço de como seria o aspecto do terreno do ponto de vista de um navio de desembarque que se aproximava. Também trazia em grandes letras verdes a expressão TOP SECRET seguida do texto “BIGOT (British Invasion of German Occupied Territory) until departure for combat operations – then this sheet becomes RESTRICTED” (ULTRA SECRETO – Invasão britânica do território ocupado pela Alemanha – depois, esta folha se torna RESTRITA).

E não era para menos. Em escala 1:7.920, o mapa era uma das peças da gigantesca Operação Overlord, arquitetada durante meses de reuniões ultra secretas entre os principais líderes e generais aliados, entre os quais o próprio primeiro-ministro inglês Winston Churchill e os generais aliados Dwight Eisenhower (EUA) e Bernard Montgomery (Reino Unido).

Todo o mapeamento da costa da Normandia, definida como ponto de desembarque para o Dia D, foi construído a partir de arriscados voos de inteligência e reconhecimento a baixa altitude. A área da cabeça de ponte foi dividida em cinco setores de praias com os nomes em código: Omaha, Utah, Gold, Juno e Sword (veja mapa abaixo).

Panorama geral do Dia D – imagem: Wikimedia Commons

As próprias anotações de Vaghi no mapa têm grande valor, pois foram feitas na época, provavelmente dias antes do Dia D, durante a preparação para o desembarque: “O LCI vai encalhar aqui”, ele rabiscou em um ponto que não fica muito distante de onde, hoje, se encontra o Cemitério Americano da Normandia.

“Felizmente, ele era um cronista. Esse cara sabia que ele era parte de algo. Ele foi um sobrevivente”, diz Morris falando de Vaghi. “E este é um sobrevivente”, afirma, referindo-se ao mapa.

Salvando vidas no Dia D

Um de nove filhos de imigrantes italianos em Connecticut, Vaghi estudou na Universidade Católica, após a guerra, e tornou-se arquiteto. Ele e sua esposa, Agnes, criaram quatro meninos. Joseph P. Vaghi III conta que o pai quase não falava da guerra até o aniversário de 50 anos do Dia D, em 1994. “Quando ele voltou, queria seguir em frente com sua vida”, disse o jovem Vaghi. Mas se ele ouvisse fogos de artifício ou um estrondo alto, “pularia uma milha”.

Segundo o filho mais jovem, o mapa era a única coisa da qual ele falava: “‘A coisa mais importante na minha vida, além de minha esposa e meus filhos, foi este mapa. Ele pôs em segurança, a mim e a meu grupo, naquela praia, naquele dia’”, conta.

Ele diz que o próprio pai considerou doar o mapa para várias outras instituições, mas não conseguiu decidir. Acabou entregando o mapa ao filho: “Pegue. Na hora certa, você saberá”. Depois que Vaghi morreu, o filho guardou o mapa em um cofre de banco e, durante anos, se perguntava o que faria com ele. Foi um conhecido da família, Tom Liljenquist, importante doador da Biblioteca do Congresso, que sugeriu a doação.

Outro dos raros mapas sobreviventes do Dia D, este retratando a praia de Utah (Wikimedia Commons).

“Como quis o destino, não há lugar melhor no mundo do que a Biblioteca do Congresso”, diz Vaghi III, que também está doando um diário de bordo especial que o pai mantinha com informações detalhadas sobre seus comandados e um grande lote de cartas, papéis e reminiscências do pós-guerra.

Poucos anos antes de morrer, Vaghi pegou o velho mapa e escreveu uma última anotação: “Dia D. Em terra firme às 07h30m de 6 de junho de 1944. Usei este mapa enquanto estive na praia.” E assinou: “Joseph P. Vaghi, Beachmaster Easy Red Beach”.

Leia aqui o artigo original e a tradução no Curiosidades Cartográficas.  

* Edmilson M. Volpi é engenheiro Cartógrafo e editor da página Curiosidades Cartográficas no Facebook Instagram

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