Em artigo para a Época Negócios, a professora do Departamento de Tecnologias da Inteligência e Design Digital (TIDD) da PUC-SP, Dora Kaufman, chama atenção para o fato de, apesar de a inteligência artifical (IA) estar avançando no Brasil em áreas como varejo, nas finanças, setor público, Justiça, Segurança, RH e na área da Saúde, o país estar “fora do mapa” em relação ao desenvolvimento de IA. Autora de livros como A inteligência artificial irá suplantar a inteligência humana? e Desmistificando a inteligência artificial, ela afirma que “somos apenas fornecedores de dados e usuários intensivos de plataformas e aplicativos que medem nossa comunicação e sociabilidade por meio de algoritmos”.
Segundo Kaufman, esse cenário peculiar deve ser contemplado pelo Senado no Marco Regulatório da IA, criando condições favoráveis para ecossistemas de produção de tecnologias de IA e, simultaneamente, protegendo os cidadãos brasileiros dos seus potenciais danos.
A especialista ressalta que, por meio de diversos organismos, principalmente a Comissão Europeia (CE), a Europa tem contribuído fortemente para a sensibilização da sociedade sobre os benefícios e malefícios da inteligência artificial, extrapolando seu próprio território. Apesar de as grandes big techs que utilizam IA (Amazon, Google, Apple, Facebook, Microsoft, IBM, Alibaba, Tencent, Baidu) estarem nos EUA e China, as diretrizes, alertas, recomendações e esboços regulatórios europeus têm respaldado iniciativas similares mundo afora.
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Em julho, por exemplo, regiões europeias como a Emilia-Romagna, na Itália, e a Catalunha, na Espanha, assinaram um acordo de cooperação em torno da sustentabilidade e da transformação digital, objetivos estratégicos da Comissão Europeia (CE) abordados em documentos como o Shaping Europe’s Digital Future (2020).
Em consequência, as cidades de Bolonha e Barcelona assinaram o projeto de smart cities “Gêmeos Digitais Urbanos” (“Digital Twin City”). O inovador sistema de gestão pública baseia-se em big data e IA para gerar benefícios em prol dos cidadãos, desde que adotadas diretrizes de governança para mitigar danos, inclusive ao meio ambiente.
Kaufman lebra que a CE acaba de lançar o manual AI Watch: Road to the Adoption of Artificial Intelligence, pelo qual pondera que a governança pública, na perspectiva de gestão democrática, “está mudando rapidamente da digitalização de funções e serviços para a gestão da governança apoiada por tecnologias emergentes como a inteligência artificial”.
O manual fornece recomendações aos formuladores de políticas para a adoção e uso confiáveis da IA pelo setor público europeu e é uma boa referência para a Comissão de Juristas do Senado brasileiro, que elabora a proposta de marco regulatório da IA, a partir do Projeto de Lei 21/2020 aprovado pelo plenário da Câmara dos Deputados e que será agora avaliado pelo Senado.
Esse manual identifica uma série de barreiras a serem enfrentadas pelo setor público para mitigar os riscos da adoção da inteligência artificial:
- gerenciamento inadequado de dados;
- acesso insuficiente a grandes volumes de dados de alta qualidade;
- compartilhamento insatisfatório de dados através das fronteiras organizacionais;
- governança de dados subdesenvolvida;
- cultura organizacional conflitante;
- falta de habilidades e conhecimentos;
- aumento da concorrência global;
- leis e regulamentos dispersos;
- falta de confiança, e
- impactos insuficientemente conhecidos.
O manual também faz, a partir de pesquisa on-line com os Estados-Membros e dois workshops, recomendações agrupadas em quatro áreas de Intervenção:
- 1) promover uma IA orientada aos valores da UE, inclusiva, centrada no ser humano e confiável no setor público, com três recomendações;
- 2) melhorar a governança coordenada, convergência de regulamentações e capacitação, com cinco recomendações;
- 3) construir um ecossistema digital de IA compartilhado e interativo, com cinco recomendações, e
- 4) aplicar e monitorar a sustentabilidade por meio de estruturas cocriadas de avaliação de impacto de IA orientadas aos valores da UE, com três recomendações.
Como lembra Kaufmann, a inteligência artificial é uma tecnologia disruptiva e, portanto, para ser bem sucedida, sua implementação requer transformar processos e rotinas organizacionais, e a própria cultura organizacional, tanto no setor público como no privado.
Fonte: Época Negócios.