Carlos Eduardo Elias: “Descrever o imóvel com precisão gera segurança jurídica”

Carlos Eduardo Elias, consultor Legislativo do Senado Federal (arquivo pessoal)

O Brasil ainda peca por não ter alcançado uma premissa básica levantada pelo jurista Rui Barbosa, em 1890: a necessidade de um serviço geográfico que possa subsidiar os direitos reais, já que é fundamental identificar os limites poligonais para comprar, vender, herdar ou desmembrar um imóvel. Essa é a opinião do consultor Legislativo do Senado Federal e advogado Carlos Eduardo Elias, em entrevista exclusiva ao Geocracia: “Uma precisa descrição perimetral dos imóveis é um pressuposto da segurança jurídica”, afirma Elias, lamentando que, em 131 anos, o Brasil não tenha ainda seguido esse caminho, apesar de países como Alemanha, Portugal, Holanda, EUA, ou mesmo Indonésia, Sri Lanka e Colômbia já terem as suas autarquias de regulação cartográfica e geográfica para subsidiarem o sistema notarial e de registro nacionais. Professor de Direito Civil e de Direito Notarial e de Registro, Carlos Elias diz, no entanto, que a culpa não é dos cartórios, “na verdade, os maiores protagonistas no combate a essa deficiência brasileira”.

É possível dizer como está o nível de digitalização dos cartórios atualmente?

Os cartórios, em geral, têm-se destacado no processo de virtualização dos seus serviços. Os transtornos causados pela pandemia da covid-19, em 2020, aceleraram mais esse processo, diante da necessidade da prestação remota de serviços.

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Há comando legal para a unificação dos dados e para a formação de um registro de imóveis eletrônico, seja pela Lei n. 11.977, de 7 de julho de 2009, seja pelo Sistema Nacional de Gestão de Informações Territoriais (Sinter) de 2016 ou pela iminente criação de um Operador Nacional do Sistema de Registro Eletrônico de Imóveis (ONR), de 2017. Qual é o atual estágio da organização da informação pública para efeitos notariais e registrais?

Quando se fala em unificação de dados dos cartórios, é preciso tomar cuidado. Não se trata de divulgar os dados livremente pela Internet. Cuida-se, sim, de os cartórios disponibilizarem os seus serviços de modo remoto a partir da manutenção de seus dados em plataformas virtuais. Atualmente, há grandes avanços nesse caminho.

Nos Cartórios de Protesto, a central nacional de protesto já fornece seus serviços on-line, inclusive com consulta gratuita acerca da existência de protesto. Nos Cartórios de Registro Civil das Pessoas Naturais, a entidade dos registradores disponibiliza o serviço pela Internet. Nas demais especialidades, o avanço também é admirável pela proatividade das respectivas entidades de classe, em âmbito local e nacional.

Ainda há avanços a fazer, mas, de um modo geral, os cartórios têm-se destacado em adaptar-se às novas necessidades da sociedade nessa Era Digital.

Há 131 anos, Rui Barbosa se manifestou sobre a necessidade de haver um serviço geográfico que pudesse subsidiar os direitos reais, um caminho seguido já por vários países. Considerando que o art. 21, XV, da nossa Constituição dispõe sobre este tema, a preocupação de Rui Barbosa é compartilhada atualmente pelos notários e registradores?

Uma precisa descrição perimetral dos imóveis é um pressuposto da segurança jurídica. Ainda pecamos por não ter alcançado essa premissa básica. É equivocado atribuir culpa aos cartórios, porque, na verdade, eles são os maiores protagonistas no combate a essa deficiência brasileira. O problema parece-nos ter outras raízes. O que dificulta a formalização da propriedade é a cultura de informalidade dos brasileiros, a indisposição de gastar recursos com agrimensores para o georreferenciamento da área e a existência de irregularidades jurídico-reais no imóvel. A solução do problema passaria por um empenho enérgico do Poder Público. Os cartórios são grandes aliados nessa luta.

Em relação ao registro civil de pessoas naturais, qual é o estágio da unificação de dados por meio da Central de Informações do Registro Civil (CRC), implantada por força do Provimento nº 46, de 16 de junho de 2015, do Conselho Nacional de Justiça?

Apesar de haver serventias em locais de difícil acesso, com acesso intermitente à Internet, os cartórios de registro civil das pessoas naturais vêm conseguindo avançar bastante na unificação dos dados. Como mencionamos, essa unificação deve ser entendida como a disponibilização de serviços remotos aos cidadãos. E isso já é uma realidade, conforme se pode ver no site do Registro Civil.

Como acelerar a digitalização nos cartórios? Há projetos de lei no Congresso Nacional neste sentido?

Há serventias deficitárias financeiramente, situadas em locais de dificílimo acesso e sem adequada conexão à Internet. É preciso pensar em formas de ajudar essas serventias no processo de virtualização do acervo. Mas, apesar dessas exceções, os cartórios em geral vêm conseguindo cumprir a tarefa de virtualização do acervo. Penso que o adequado é o Parlamento preocupar-se em prestar ao cidadão um serviço de qualidade e virtual. Os cartórios já têm oferecido esse serviço. É oportuno, porém, fazermos um levantamento para identificar os pontos fracos e buscar melhorar. Tenho dúvidas se teríamos necessidade de mais mudanças legislativas para a implementação desses serviços de virtualização. O cabedal normativo atual já é suficiente. Há projetos de lei tratando do tema, mas não convém especificar aqui, diante do fato de que o suporte normativo atual já se mostra suficiente. Talvez, após fazermos levantamentos mais aprofundados, poderemos identificar insuficiências. Por ora, estamos observando. Tudo é novo.

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