Carlúcio Baima: “O Iphan está pronto para a Geoinformação”

Carlúcio Baima, ex-chefe da Divisão da Coordenação-Geral de Licenciamento Ambiental do Iphan

Ex-chefe de Divisão da Coordenação-Geral de Licenciamento Ambiental (CNL) do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) e atualmente consultor em arqueologia, Carlúcio Baima afirma que o Instituto está preparado para gerir dados espaciais brasileiros relativos à preservação e gestão do patrimônio cultural e à construção de novas políticas públicas do setor. Em entrevista ao Geocracia, Baima destaca a importância que as ferramentas SIG têm assumindo para uma leitura prática, segura e em tempo real da espacialidade do patrimônio histórico e cultural brasileiro, e cita dois sistemas próprios que estão sendo usados para auxiliar o cadastro do patrimômio nacional e para facilitar o processo de licenciamento ambiental de projetos: o SICG – Sistema Integrado de Conhecimento e Gestão e o SAIP – Sistema de Avaliação de Impacto ao Patrimônio.

Qual a importância do dado espacial para a gestão do patrimônio histórico e cultural?

A contemporaneidade vem requisitando cada vez mais a utilização de informações espaciais para a resolução de questões em diversos campos da vida cotidiana e profissional. No campo do patrimônio cultural não é diferente. Com o aprimoramento no uso das ferramentas SIG (Sistema de Informação Geográfica) e a evolução e acesso aos recursos tecnológicos, atualmente, é possível termos uma leitura da espacialidade do patrimônio histórico e cultural de uma forma prática, segura e em tempo real, pelo menos se tomarmos como referência os últimos 10 anos. Ainda há muito trabalho pela frente, mas os avanços são expressivos. 

Portanto, a importância do dado espacial para a gestão do patrimônio histórico e cultural é auxiliar na criação de programas de preservação do patrimônio e no seu efetivo monitoramento e na tomada de decisões estratégicas, além de proporcionar transparência do setor público para a sociedade civil, não apenas quanto à localização espacial do bem cultural, mas também quanto às ações que estão sendo executadas, sobretudo quando pensamos o patrimônio cultural atrelado ao desenvolvimento sustentável.

Na sua visão, o Iphan está preparado para gerir dados espaciais brasileiros voltados às suas competências? Há sistema próprio? De onde são criados os dados?

Sim, está preparado e isso pode ser constatado através do último concurso público para servidores efetivos que o Iphan realizou. Foram ofertadas cinco vagas para analistas exclusivas para a área de geoprocessamento. Isso foi muito importante, pois ainda que o Instituto já investisse e tivesse alguns profissionais (analistas de infraestrutura do serviço público e consultores da UNESCO) atuando nessa área, saber que desde 2019 houve um reforço no seu corpo técnico e de forma definitiva salienta o quanto a Instituição vem percebendo a importância de se discutir e analisar dados espaciais relativos à preservação e gestão do patrimônio cultural e à construção de novas políticas públicas relacionadas a essa temática.

Atualmente, o Iphan possui dois sistemas próprios, quando falamos estritamente de dados espaciais: o SICG – Sistema Integrado de Conhecimento e Gestão e o SAIP – Sistema de Avaliação de Impacto ao Patrimônio. O primeiro foi desenvolvido objetivando reunir os dados sobre patrimônio cultural de toda a esfera pública, ou seja, não apenas o patrimônio acautelado federal, mas também o estadual e municipal. Nessa medida, o SICG funciona como uma plataforma de cadastro, consulta, conhecimento e gestão do patrimônio cultural de natureza material e imaterial.

Já o SAIP consiste no mais novo sistema desenvolvido pelo Iphan e objetiva qualificar a gestão de informações relativas à participação do Instituto nos processos de licenciamento ambiental. O grande diferencial do SAIP está não apenas na redução do tempo de resposta na emissão do Termo de Referência Específico (TRE) do Instituto nos licenciamentos ambientais que venha a participar, mas também na forma como a regra negocial do sistema cruza as informações espaciais da área do empreendimento com as informações geográficas do SICG. Resumidamente, quando o interessado indica em qual área deseja instalar um empreendimento ou executar determinada atividade, o SAIP busca no SICG se naquela área ou no seu entorno há algum bem acautelado pelo órgão. Essa conferência é feita em segundos e contribui substancialmente na segurança jurídica e previsibilidade para todo o procedimento.

Paralelamente a esses dois sistemas, o Iphan ainda possui o Fiscalis – Sistema Informatizado de Fiscalização, voltado para o planejamento e controle das atividades de fiscalização dos bens edificados e que de certa maneira utiliza as informações geográficas relativas à localização desses bens culturais, e o Geoserver do Iphan, que funciona como um repositório de informações geográficas dos bens culturais acautelados pelo órgão e armazena as áreas de todos os empreendimentos que o Instituto avaliou no âmbito dos processos de licenciamento ambiental que foi partícipe.

Como funciona o licenciamento de arqueologia no Iphan e como ele se relaciona com a Infraestrutura de Dados Espaciais (INDE)? Os dados espaciais podem ser colaborativos?

Essa pergunta é bem interessante, pois o “licenciamento” que o Iphan realiza vai além do patrimônio arqueológico, ou seja, abarca também o patrimônio tombado, valorado (ferroviário) e registrado (imaterial). Se formos utilizar a terminologia adequada, o que o Iphan faz não é um “licenciamento arqueológico”, mas sim uma avaliação de impacto ao patrimônio cultural nos processos de licenciamento ambiental que venha a participar. No passado, a participação do Instituto no licenciamento ambiental se restringia basicamente ao patrimônio arqueológico. Mas, com a publicação da Instrução Normativa nº 001/2015, as demais naturezas de bens culturais protegidas também passaram a ser objeto de avaliação.

De forma bem objetiva, essa avaliação de impacto é iniciada pelo empreendedor com o preenchimento e protocolo da Ficha de Caracterização de Atividade (FCA), que nada mais é do que um formulário contendo a tipologia do empreendimento ou atividade, o seu porte, sua área de inserção e a descrição de outras informações importantes que ajudam o Iphan a entender a natureza dessa atividade e se ela poderá impactar algum bem cultural federal. O resultado da análise da FCA é a emissão por parte do Instituto do TRE contendo as orientações acerca dos estudos mínimos que deverão ser realizados com o objetivo de avaliar o impacto do empreendimento nos bens culturais acautelados federais.

A relação dessa avaliação de impacto com a INDE é contribuir para a consulta e/ou exploração das informações relativas à participação do Iphan nos processos de licenciamento ambiental e na atualização dos mecanismos de proteção dos bens culturais que estão sob a tutela do órgão.

Quanto à possibilidade deles serem colaborativos, sim, em alguma medida, podemos dizer que alguns desses dados podem ser de natureza colaborativa. Um exemplo é um cidadão comum encontrar um sítio arqueológico e poder submeter as informações desse sítio diretamente na base de dados do Iphan. Naturalmente, o Instituto fará uma conferência dessas informações para então homologar o cadastro do sítio arqueológico, que, por sua vez, poderá ser consultado por qualquer pessoa no SICG.

Do ponto de vista do usuário, quais são os desafios do empreendedor que precisa dos dados do Iphan para licenciar seu empreendimento?

Acredito que essa interface do usuário com os dados do Iphan melhorou bastante graças aos sistemas e ferramentas aqui mencionados. Além disso, o SEI (Sistema Eletrônico de Informação), implementado no órgão em agosto/setembro de 2017, contribuiu demais para a transparência na consulta desses dados.

Se ainda existe um desafio nessa consulta, sobretudo para o empreendedor, diz respeito mais à familiarização com os sistemas e plataformas do órgão e a um conhecimento mínimo das ferramentas SIG. Hoje, boa parte dos dados referentes à participação do Iphan no licenciamento ambiental podem ser obtidos no formato .kml e facilmente visualizados no Google Earth, ou até mesmo, no próprio ambiente de trabalho da INDE.

De todo modo, gostaria aqui de destacar que o órgão também foi sensível àquelas pessoas que porventura tenham dificuldade em elaborar esses arquivos geoespaciais. O SAIP possui uma ferramenta que possibilita ao usuário desenhar as áreas de influência do empreendimento (ADA e AID). Nessa medida, basta o interessado ter um conhecimento geográfico sobre a localização do seu empreendimento ou atividade e desenhar o polígono correspondente à área. A submissão dessa informação tem o mesmo valor de fazer o upload do arquivo geoespacial.

Pela sua experiência, como o modelo de gestão de dados espaciais do Iphan poderia ser aprimorado para garantir a segurança jurídica dos empreendimentos, em termos de preservação do patrimônio histórico e cultural?

É fundamental que o governo federal perceba o Iphan com outros olhos. Afinal de contas, como um amigo um dia me disse, os investimentos no setor de infraestrutura de todo o Brasil perpassam o Instituto, já que ele participa ativamente do licenciamento ambiental. Logo, os investimentos financeiros, tecnológicos e o aumento e valorização do corpo técnico são fundamentais para garantir essa segurança jurídica, tendo em vista que o Iphan atua em todo o território nacional.

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