Em liminar deferida na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 1043, o ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal (STF), determinou, na tarde da última segunda-feira (23), que a distribuição do Fundo de Participação dos Municípios (FPM) deste ano tenha como patamar mínimo os coeficientes de distribuição utilizados no exercício de 2018 (leia a íntegra da decisão). Pela medida, o ministro suspendeu norma do Tribunal de Contas da União (TCU) de dezembro último que determinava para fins de cálculo do FPM a utilização dos dados populacionais preliminares do Censo Demográfico de 2022, ainda não concluído.
Lewandowski destaca que mudanças abruptas de coeficientes de distribuição do FPM – especialmente antes da conclusão do censo demográfico – interferem no planejamento e nas contas municipais, causando “uma indesejável descontinuidade das políticas públicas mais básicas, sobretudo de saúde e educação dos referidos entes federados, prejudicando diretamente as populações locais menos favorecidas”.
A decisão do ministro, que ainda será avaliada pelo pleno do STF, agrava ainda mais na crise envolvendo o Censo 2022, cuja coleta deveria durar dois meses, já vai para sete e ainda não terminou, contando com apenas metade do contingente de recenseadores necessários.
Para Luiz Ugeda, CEO da Agência Geocracia, toda essa polêmica é muito prejudicial a um país que precisa urgentemente de dados confiáveis: “O grande valor dos órgãos estatísticos, hoje, é o de combater fake data (dados falsos). O desafio do Brasil, neste momento em que o Censo 2022 é questionado, é que faremos a mudança demográfica mais importante de nossa história, decorrente do rápido envelhecimento da população, praticamente no escuro, com consequências severas sobre o sistema previdenciário e as necessidades urbanas”
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FPM causaria prejuízo de R$ 3 bilhões
A ação contra a Decisão Normativa 201/2022 do TCU veio na sequência da reclamação de diversas cidades por todo o Brasil em função de reduções no valor recebido do FPM, já que a conta do Censo 2022 não contempla a totalidade da população. Segundo levantamento da Confederação Nacional de Municípios (CNM), a nova metodologia para o FPM (cujos valores são repassados de acordo com o número de habitantes de cada cidade) causaria prejuízo de R$ 3 bilhões para 702 municípios.
Mesmo com o período de coleta do Censo prorrogado, como a lei exige que os números da população nacional sejam entregues pelo IBGE até 31 de dezembro, o Instituto acabou fazendo algo inédito: inferiu o número de habitantes a partir dos dados coletados até os últimos dias de 2022. À revista Veja, um demógrafo que participou do processo e não quis se identificar, disse que “o que o IBGE fez não é científico nem confiável do ponto de vista estatístico”.
Segundo as próprias estimativas da população feitas com base no Censo de 2010, a população brasileira subiria para 215 milhões de habitantes, em 2020. Mas, o número anunciado pelo IBGE para 2022 ficou na casa dos 200 milhões. Segundo Veja, os próprios técnicos do Instituto puseram a conta em dúvida. Refeita, ela passou para 207,8 milhões de pessoas.
“Diante das idas e vindas, os demógrafos chegaram a se posicionar contra a divulgação do conteúdo do relatório durante uma reunião com a comissão de acompanhamento do Censo. Tamanho era o desconforto que integrantes das coordenadorias de Metodologia e Qualidade e de População e Indicadores Sociais pediram que seus nomes fossem retirados da nota técnica que explicava as mudanças”, afirma a reportagem, informando que, dos 14 especialistas da comissão, apenas a ex-presidente do IBGE Martha Mayer, se absteve. “Foi uma escolha de Sofia. Optamos pela melhor alternativa possível”, diz a demógrafa Suzana Cavenaghi, membro da comissão.
Nota do IBGE
Em nota oficial publicada na terça-feira, o IBGE afirma que a imputação de pessoas nos domicílios é “uma prática semelhante já utilizada no IBGE quando se divulgam resultados preliminares do Censo” e que mais detalhes podem ser conferidos na nota metodológica divulgada com a Prévia da População dos Municípios com base nos dados do Censo 2022 coletados até o dia 25 de dezembro de 2022.
Segundo o Instituto, da mesma maneira como ocorreu em 2010, em 2022, o dado entregue ao TCU “foi um resultado não definitivo de população”: no dia 4 de novembro daquele ano, uma população residente de 185.712.713 habitantes, aprimorando os dados para 190.732.694 habitantes, em 29 de novembro, nos Primeiros Resultados do Censo 2010, e, finalmente, divulgando o Resultado definitivo de População do Censo 2010, em 29 de abril de 2011, com 190.755.799 habitantes.