Ana Carolina Diniz Vaz*
O condomínio de lotes surgiu legalmente em 2017, quando a Lei 13.465/2017 apenas formalizou o que já era conhecido na prática como “condomínios fechados”. Seu conceito é simples: os empreendimentos têm áreas de propriedade exclusiva dos condôminos (unidades autônomas) e áreas de propriedade comum. Ainda não popularizado, em grande parte devido à recente regulação legal, o condomínio de lotes foi incluído como uma seção dentro do Capítulo VII do Título III do Código Civil, que trata do condomínio edilício.
Como a Lei 6.766/79, que regula em âmbito federal o parcelamento do solo urbano, não previa a possibilidade de fechamento dos loteamentos e desmembramentos, os empreendedores da área, aos poucos, foram buscando soluções para atender a uma demanda crescente do mercado imobiliário: garantir segurança ao crescente número de pessoas que vêm optando por se mudar para localidades mais afastadas dos centros urbanos, sem abrir mão do conforto e infraestrutura.
Antes da Lei 13.465/2017 regulamentar a figura do loteamento de acesso controlado, vários planos diretores já previam essa possibilidade. No entanto, esse regramento local do condomínio de lotes não garantia segurança jurídica diante da inexistência de uma lei federal, resultando em intensos debates, inclusive judiciais, entre os proprietários, moradores e usuários do entorno do empreendimento.
A implantação de um condomínio de lotes, apesar de em alguns aspectos ser semelhante, não segue a mesma lógica de um loteamento ou desmembramento do solo, especialmente por não gerar nenhuma obrigação formal para o Município.
Conforme previsto no artigo 3º da Lei 6.766/79, o parcelamento ou desmembramento do solo é aplicável exclusivamente a zonas urbanas, de expansão urbana ou de urbanização específica, assim definidas pelo Plano Diretor ou aprovadas por lei municipal, sendo, portanto, inaplicável às zonas rurais dos Municípios.
Isso ocorre porque, por meio de seus procedimentos, são criados verdadeiros bairros, com atração de um grande fluxo de população, seja para residência, seja para trabalho. Para atender à demanda dessa população, a referida lei estabelece a infraestrutura mínima que o empreendedor deve construir em seu empreendimento e prevê a doação de parte considerável da área original ao município para que sejam instalados equipamentos urbanos e serviços públicos.
Por outro lado, na zona rural, um novo empreendimento imobiliário dificilmente criará um fluxo contínuo de pessoas e/ou pressionará a demanda por serviços públicos, especialmente porque no entorno não existirá muita estrutura. Assim, tratando-se de condomínio de lotes, não haveria um ônus substancial para o município, uma vez que todos os custos de “funcionamento” daquele núcleo imobiliário seriam gerenciados pelos próprios condôminos.
Dessa forma, em áreas rurais próximas ao centro urbano, a saída para viabilizar o parcelamento do solo é obter a transformação em zona urbana, o que exige, além de vontade política, um prévio estudo de viabilidade promovido pelo município, que deverá seguir os trâmites e exigências do Estatuto da Cidade, especificamente de seu artigo 42-B.
Uma vez transformada a área, não mais se falará em parcelamento rural, porque o zoneamento será urbano, atraindo a aplicação da Lei 6.766/1979.
No entanto, a incidência dessa autonomia privada sobre os condomínios não significa uma dispensa completa da fiscalização municipal. O próprio artigo 1.358-A do Código Civil, introduzido pela Lei 13.465/2017, responsável por dar vida jurídica ao condomínio de lotes, menciona em seu parágrafo segundo, inciso I, a necessidade de respeito à legislação urbanística e, em seu inciso II, consignou-se expressamente que se aplica ao condomínio de lotes o regime jurídico da incorporação imobiliária.
Assim, estando o projeto do empreendimento nos moldes definidos pelo Município, não existe razão para reprová-lo, sobretudo porque, como dito anteriormente, ao contrário do loteamento, que gera uma obrigação do Município de prestar serviços públicos e atender à demanda por equipamentos urbanos e comunitários, o condomínio, por sua vez, mantém todas as áreas comuns sob propriedade e gestão dos condôminos, permitindo que se crie um “núcleo urbano” em uma área rural sem que traga qualquer um ônus ao Poder Público.
Portanto, desde que os condôminos se comprometam a viabilizar o fornecimento de serviços básicos (como energia, água e esgoto) e cumprir todas as obrigações relacionadas ao funcionamento daquele condomínio (como, por exemplo, a coleta de lixo, a segurança e a manutenção das áreas comuns), não trazendo ônus ao Município, é totalmente viável a implantação de um condomínio rural de lotes.
Por fim, mesmo que a legislação municipal seja omissa quanto ao condomínio de lotes, não deixará de ser indispensável o aval do Município para a aprovação do projeto, seja por força da Lei de Incorporação Imobiliária, seja pela previsão do próprio Código Civil. De todo modo, o ideal é fazer uma análise dos riscos do caso específico, sendo imprescindível a contratação de um advogado especializado.
* Advogada especializada em direito público e atualmente cursando pós-graduação em Regularização Fundiária pela PUC-Minas. Tem experiência profissional em escritórios de advocacia, especialmente no contencioso cível, com foco na área de contratos, recuperação de crédito e Due Diligence imobiliária.