Eles não são exatamente uma novidade. Surgiram em meio ao conflito de 2014, na própria Ucrânia, e que resultou na anexação da Crimeia pelos russos. Mas é agora, durante a recente invasão russa, que as contas OSINT, sigla em inglês para inteligência por dados abertos (open-source intelligence) tornaram-se o centro das atenções e – mais do que isso – essenciais para acompanhar os rumos da guerra, com alguns analistas acreditando que esse trabalho esteja sendo utilizado pelos militares ucranianos.
Por trás dessas contas no Twitter estão pesquisadores amadores, especialistas em temas militares e armamentos, que podem ser desde técnicos em TI até meros estudantes universitários. Seu trabalho não difere muito das tarefas de um funcionário de um serviço secreto estatal. A diferença é que todo o material que coletam é público e está disponível na Internet, em plataformas como
OpenStreet Maps, Google Maps, bases de dados públicas, imagens de satélite abertas e até material de câmeras de vigilância disponibilizado ao público.
Contas OSINT internacionais, como Intel Crab, Caliber Obscura e Aurora Intel, ou a do brasileiro Der Flecha têm chamado a atenção e adquirido um enorme número de seguidores nos últimos dias. A Caliber Obscura tem mais de 105.000 seguidores no Twitter (20 mil deles conquistados nas duas últimas semanas) e o responsável afirma ser contratado por ONGs para sua pesquisa de rastreamento de armas. Ele acaba de criar uma nova conta com outro pesquisador amador OSINT, a Ukraine Weapons Trackers, que, em menos de um mês, já reuniu quase 200.000 seguidores.
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Para o analista do Instituto de Diálogo Estratégico identificado como O’Connor, devido à alta disponibilidade de imagens do movimento militar, as comunidades OSINT estão desempenhando um papel significativo na divulgação para o público em geral: “Definitivamente, conquistou muito alcance e atenção”.
OSINT, um drible na guerra da desinformação
Um dos motivos para tamanho sucesso é conseguir suprir a gigantesca demanda por dados sobre um tema sempre envolto em desinformação e fake news: guerra. O segredo é que, apesar de o mesmo trabalho ser realizado por profissionais treinados em entidades como o Middlebury Institute of International Studies, as contas amadoras são muitas e muito ágeis, conseguindo atualizar rapidamente a informação. Além disso, como se reconhecem como uma comunidade OSINT, elas checam as informações umas das outras, permitindo uma credibilidade maior nas atualizações.
“Sempre haverá um nevoeiro de guerra, mas acho que este é o véu de guerra mais tênue que já tivemos”, diz ao site Rest of World Justin Peden, o estudante de 20 anos da Universidade do Alabama que criou o Intel Crab, sem esconder alguma surpresa a respeito da repercussão das contas OSINT nas últimas semanas: “É surpreendente para mim porque [esse trabalho] tem sido, há muito tempo, um nicho no Twitter e na Internet como um todo”.
Peden, aliás, é um dos poucos OSINT amadores a revelar a identidade. A maioria trabalha com pseudônimo e em completo anonimato. Esse tipo de trabalho costumar incomodar quem já está com as mãos sujas de sangue. O ucraniano Vladimir Agafonkin, por exemplo, teve de fugir do país. Ele é o criador do Leaflet, uma das principais bibliotecas JavaScript de código aberto para mapas interativos compatíveis com dispositivos móveis e que oferece todos os recursos de mapeamento que a maioria dos desenvolvedores precisa.
Foi com base no Leaflet que se construiu um dos sites mais acessados para se acompanhar o conflito na Ucrânia, o Liveumap (imagem do alto da página). Plataforma de código aberto com sede na Ucrânia, o site consolida em mapas dados e imagens da invasão coletadas a partir de mídias sociais e outras fontes. Sua atuação incomodou tanto os russos que, na semana passada, o Liveumap sofreu um ciberataque russo para tentar tirá-lo do ar.
Fonte: Rest of World