A decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), que obriga a União a desapropriar imóveis rurais envolvidos em desmatamento ilegal e incêndios criminosos, pode redesenhar as estratégias de preservação da Amazônia e do Pantanal, mas levanta dúvidas sobre sua viabilidade prática. O despacho, assinado pelo ministro Flávio Dino, foi publicado na semana passada (28) e chega num momento crítico: no Pantanal, os focos de incêndio saltaram 1.500% entre 2023 e 2024, segundo dados do Inpe. Diante desse cenário, a iniciativa do STF busca interromper o ciclo de impunidade, mas encontra um caminho cheio de entraves políticos, jurídicos e operacionais.
Executar a desapropriação dessas terras exigirá uma engrenagem estatal capaz de produzir provas claras e indiscutíveis sobre os ilícitos ambientais. Ao mesmo tempo, a decisão impede que essas áreas sejam regularizadas fundiariamente, o que demanda um controle rigoroso e contínuo sobre os registros e cadastros de propriedade. Como garantir que os crimes ambientais sejam comprovados de forma cabal? Como superar as pressões de grupos econômicos que se beneficiam da ocupação irregular? A fragilidade histórica da gestão fundiária no Brasil adiciona mais camadas de complexidade a essa tarefa.
A decisão judicial foi motivada pela ADPF 743, movida pela Rede Sustentabilidade com apoio de organizações ambientalistas como o Observatório do Clima, Instituto Socioambiental (ISA), WWF e Greenpeace. Para Paulo Busse, advogado do Observatório, a medida judicial atende a uma demanda antiga das entidades, mas o desafio agora está em levá-la para o mundo real. “A decisão é bem construída, mas será preciso romper barreiras institucionais para que ela produza efeitos concretos no combate aos crimes ambientais”, aponta Busse. Sem investimentos, pessoal qualificado e respaldo político, o risco é que a decisão permaneça restrita aos autos.
A ampliação da proteção também às áreas atingidas por incêndios relacionados à crise climática aparece como outro ponto a ser enfrentado. As organizações defensoras da ADPF defendem a contratação de mais brigadistas e a ampliação da estrutura de combate a incêndios. Entretanto, essa medida exige recursos financeiros e uma articulação entre União, estados e municípios, em um contexto de orçamentos apertados e prioridades concorrentes. Evitar que o fogo destrua os biomas brasileiros vai além da punição: exige criar condições para respostas rápidas e sustentáveis.
A disputa sobre o Cadastro Ambiental Rural (CAR) agrava ainda mais o cenário. O uso desse instrumento como mecanismo de grilagem gera conflitos e sobreposições com Terras Indígenas, Unidades de Conservação e territórios quilombolas. Cancelar registros irregulares pode esbarrar em interesses enraizados e na lentidão burocrática. Incluir os territórios quilombolas no debate, como sugerem as organizações ambientais, amplia a complexidade, mas também a abrangência da política de proteção. Para Busse, essa é uma frente crucial para garantir direitos territoriais e conter os conflitos.