É necessário alinhar expectativas sobre BNDES bloquear financiamento por desmatamento

O BNDES anunciou, no final de março, parceria com o Mapbiomas para coibir o desmatamento por meio do bloqueio de financiamentos bancários. Para Bráulio Magalhães Fonseca, professor do Departamento de Cartografia do Instituto de Geociências da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), a solução pode frustrar expectativas por força de limitações no uso em determinadas escalas geográficas e espaciais.

Confira abaixo os principais pontos apresentados ao portal Geocracia.

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A ferramenta usará os dados produzidos e apresentados na Plataforma MapBiomas, a poligonal da propriedade registrada no INCRA deverá ser sobreposta à base do MapBiomas e por meio de análise espacial poderá ser avaliada a situação do uso da terra. Como o MapBiomas possui dados com uma boa resolução temporal, ou seja, com a possibilidade de uma avaliação da dinâmica das tipologias de uso a cada ano, será possível ao BNDES avaliar a situação de cada propriedade rural registrada na base do INCRA.

Tecnicamente é possível aprovar ou rejeitar crédito com base em desmatamento identificado por satélites? Como o MapBiomas funciona para detectar desmatamento?

Os dados do MapBIomas são extraídos por técnicas de processamento digital de Imagens (PDI), são técnicas muito usadas em sensoriamento remoto para tratamento e extração de dados em imagens de sensores orbitais e não orbitais.

Como os satélites passam várias vezes sobre os memos locais (resolução temporal) é possível acompanhar (monitorar) a dinâmica de uso da terra, bem como a fragmentação florestal (desmatamento).

É possível aprovar crédito com base na ferramenta? Com a ferramenta em si não há nenhum problema. Mas vale lembrar que ela possui uma limitação escalar que a inviabiliza para uso em determinadas escalas geográficas e espaciais. Me recordo de uma famosa frase muito usada pela comunidade do geoprocessamento e Geoinformação: “lixo entra, lixo sai” ou na original em inglês “garbage in, garbage out”, Aqui é importante ressaltar que não estou fazendo juízo de valor ou afirmando que os dados produzidos pela equipe do MapBiomas sejam ruins ou um lixo. Mas essa frase alerta para algo bastante óbvio nas ciências geográficas ou geograficamente orientadas: é de suma importância alinhar as expectativas dos objetivos do trabalho com as escalas espaciais e temporais dos dados utilizados.

Gostaria de dizer que o que tem sido feito pelos profissionais envolvidos na Plataforma MapBiomas é louvável, é algo realmente relevante para o planejamento territorial do Brasil e que agora se estende para outros países.

Acontece que para os leigos em Cartografia toda e qualquer base cartográfica em meio digital é considerada a “verdade absoluta”, as pessoas não sabem o que é resolução espacial, resolução temporal, espectral, não sabem o conceito de escala e como ele é importante para as ciências ambientais. E para falar a verdade, muitos profissionais da área ambiental também não sabem, pois as bases curriculares são paupérrimas em relação ao conteúdo cartográfico e geoinformação.

Na hipótese de haver erros na decisão de crédito, decorrente de áreas de classificação complexa ou mesmo do posicionamento orbital da obtenção da imagem, como o proprietário rural poderá se defender tecnicamente?

Em primeiro lugar é importante dizer que ao cruzar dados espaciais obtidos em escalas distintas e aplicar algoritmos de análise espacial sobre eles, a exemplo da interseção espacial, você certamente estará perpetuando um erro inerente à escala do dado. Vou explicar. As propriedades rurais devem ser delimitadas seguindo as normas do INCRA para o Georreferenciamento de Imóveis Rurais. Acontece que as normas do INCRA são mais rigorosas em relação à escala de mapeamento ou à precisão do método de levantamento, que exige do proprietário as precisões que variam de 0,5 m a 7,50 m, a depender das características dos vértices levantados em campo.

Já os dados da Plataforma do MapBiomas possuem resolução espacial original de 15 ou 30 metros a depender do sensor da coleção LandSat utilizado. Isso significa que um pixel da imagem do sensor Landsat representa no solo uma área de 900 m², ou seja, os dados do MapBiomas já nascem com uma imprecisão de 900 m², isso inviabiliza o uso desses dados para análises em ambiente urbano (escala de mancha urbana, quadras, lotes), e na maioria das escalas geográficas e espaciais das propriedades caracterizadas como minifúndios no Brasil.

Vejo a ferramenta com um potencial muito grande na região amazônica, devido suas características fundiárias (predomínio de latifúndios), mas deverá ser utilizada com atenção em regiões onde predominam os minifúndios.

Estados como Santa Catarina, fortemente caracterizado por pequenas propriedades, podem ser fontes de erros devido a incongruência escalar entre os dados (área da propriedade e dados do MapBiomas). Neste sentido, sugiro aos produtores rurais que tiverem condições para tal, que façam o monitoramento do uso da terra de suas propriedades com uso de drones e receptores geodésicos de precisão, para que se defendam no momento da solicitação de financiamento junto ao BNDES.  Mas, pelo visto, o direito de defesa e ao contraditório está garantido nessa nova abordagem para tomada de crédito.

Lembrando que o contrário também pode acontecer, áreas que deveriam ser protegidas, áreas de vegetação natural rasteira, por exemplo, podem ser mapeadas como áreas de pastagem. Então seria possível, por exemplo, a supressão de vegetação de ecorregiões importantes do bioma Cerrado, como os Campus Rupestres, sem que a ferramenta acuse.

Isto se deve às características do sensor remoto usado pela plataforma MapBiomas, suas resoluções e limitações.

Inicialmente, o cruzamento dos dados seria realizado pelo Ibama, na qualidade de entidade reguladora do meio ambiente, que enviaria sua conclusão ao BNDES ou o BNDES receberá os dados processuais brutos e tomará a decisão unilateral de crédito em cima destes dados processuais?

Infelizmente desconheço sobre a dinâmica de funcionamento como um todo. Penso que seria interessante utilizar a estrutura do IBAMA para as fiscalizações e validações de campo que se fizerem necessárias.

No contexto anglo-saxão, existe a figura do property surveyors, que avançam nas competências dos nossos agrimensores, por conciliarem aspectos da Engenharia e do Direito ao dirimirem conflitos entre donos de terra e terceiros. Considerando o rápido avanço destas tecnologias, seja para a cobrança de IPTU, monitoramento ambiental, fiscalização de obras, todas atividades agora feitas por satélites, não seria o caso de repensarmos nossas profissões para as adaptar a esta nova realidade?

Repensar as profissões e fazer adaptações é sempre importante, as habilidades e competências do direito e da agrimensura são fundamentais para os profissionais que lidam com delimitação de terras em áreas urbanas e rurais. Mas no caso específico sobre o qual estamos tratando aqui, vejo como uma questão mesmo de engenharia, uma vez que dificilmente um engenheiro agrimensor ou geógrafo, consciente das limitações escalares de dados de fontes distintas, aprovaria uma estratégia de gestão do território com implicações em aprovação de crédito que propusesse o cruzamento de dados cartográficos em escalas e precisões distintas.

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