Edmilson Volpi*
Como seria se, na época em que administravam uma rede incrível de vias que ia da Europa à Ásia passando pelo norte da África, há mais de 2 mil anos, os romanos tivessem à sua disposição um aplicativo como o Google Maps? Bom, os romanos daquela época podem não saber, mas, graças ao historiador holandês René Voorburg, nós podemos, como registra reportagem do site Big Think.
Apaixonado pela cultura da Roma antiga, René é o criador do OmnesViae, uma plataforma online georreferenciada de planejamento de rotas que utiliza mapas viários romanos recriados. Os mapas com as rotas e as posições das estações de passagem são baseados, sobretudo, na Tabula Peutingeriana, o que de mais próximo restou do original itinerarium (o mapa viário) do Império Romano.
A Roma Antiga tinha seus mapas, mas nenhum deles sobreviveu ao tempo. Assim, o Peutinger é, na verdade, um pergaminho do século 13 que copia um mapa muito mais antigo, talvez do século 4 ou 5, e que, por sua vez, copia outro, provavelmente preparado para o imperador Augusto por volta do ano 1 dC.
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No OmnesVia, tudo o que está em vermelho tem a sua localização baseada no que restou do Peutinger e, ao se clicar com o botão esquerdo do mouse sobre as as estações vermelhas, além do nome original em latim, é possível ver também a imagem correspondente extraída do pergaminho Peutinger. As estradas e estações das províncias romanas em cinza (Grã Bretanha, Espanha, Portugal e norte da África) foram reconstruídas usando outras fontes, como o Itinerarium Antonini, um registro (não um mapa) de estradas romanas, estações de passagem e distâncias, possivelmente com base em um levantamento de todo o império realizado na época de Augusto.
Foi Augusto que instalou, em 20 a.C., um obelisco dourado gigante ao lado do Templo de Saturno no Fórum Romano. Conhecido como Milliarium Aureum, ou Marco Dourado, ele era o ponto zero a partir do qual eram medidas as distâncias para todas as cidades do vasto império e origem do célebre ditado: omnes viae Romam ducunt (todos os caminhos levam a Roma). A extensa rede viária foi um dos fatores mais importantes para a conquista e manutenção dos domínios de Roma.
Google Maps em latim e algarismos romanos
O OmnesViae funciona exatamente como o Google Maps. Basta acessar ‘Iter vestrum’ (ou ‘seu trajeto’, em português). Depois, escolhe-se ‘Ab’ (de) e ‘Ad’ (para) usando os nomes das localidades do mapa. Todo o caminho é calculado para as rotas usadas no período romano e em medidas da época (milhas romanas e léguas gaulesas). O resultado aparece em latim, como se devesse ser compreendido por cidadãos da Roma de Júlio César. A duração do percurso também é coerente com os meios de transporte daquele tempo.
No exemplo abaixo, simulamos a hipotética viagem de Asterix e Obelix partindo de Gesocribate, estação romana equivalente ao que é hoje a cidade francesa de Brest e que seria, na época, o provável ponto mais perto de uma ‘certa irredutível aldeia gaulesa’ na Bretanha. A meta foi a estação de Lutetia, o embrião do que é hoje a cidade de Paris.
No mapa que seria mostrado aos nossos bravos gauleses, a rota apareceria em amarelo. À esquerda, como o itinerário mostrado no Google Maps, as informações (em latim e algarismos romanos) dão conta que a distância total a ser percorrida pelos dois seria de ‘CCC Milia Passuum‘, ou seja, 300 milhas romanas, o que equivale a cerca de 450 km. O passo-a-passo mostra ainda as distâncias entre cada estação e pontos importantes, como o cruzamento de rios, além do tempo total de viagem: ‘Fere XXI Dies‘, ou seja, quase 21 dias.
Para montar o OmnesViae, em 2011, Voorburg contou com a ajuda de Richard Talbert, que realizou um extenso trabalho de pesquisa sobre a Tabula Peutingeriana, de Martin Weber, com seu site Tabula Peutingeriana, que identifica nomes e lugares atuais, e da iniciativa das Plêiades, fundamental para as geolocalizações.
Leia aqui o artigo no original e a tradução no Curiosidades Cartográficas.
*Edmilson M. Volpi é engenheiro Cartógrafo e editor da página Curiosidades Cartográficas no Facebook e Instagram