Foram mais de duas décadas de um jogo de gato e rato entre a Polícia e as bibliotecas da Alemanha e o aposentado Norbert Schild, um homem misterioso que se apresentava como historiador, professor e até jornalista de arte e que, por mais de 30 anos, supõe-se que tenha faturado mais de US$ 3 milhões revendendo mapas de livros raros que ele recortava e roubava de cerca de 20 bibliotecas do país.
Depois de um julgamento baseado apenas em provas circunstanciais, em abril de 2019, Schild foi finalmente condenado a um ano e oito meses de prisão, mas está apelando e ainda não começou a cumprir a pena. E muitos acreditam que isso nunca aconteça, devido aos seus 67 anos e uma saúde precária.
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A Polícia alemã acredita que Schild pratique suas atividades criminosas pelo menos desde 1998. Mas foi só em 2006 que ele foi, de fato, notado, ao usar um estilete para cortar um mapa da Alsácia de um livro sobre geografia europeia de 400 anos de idade, na Biblioteca Municipal de Trier, no oeste da Alemanha. Ao ser flagrado pelos funcionários, ele apenas disse “valeu a pena tentar”. Em seguida, jogou o cartão da biblioteca na mesa e saiu correndo com o mapa, deixando os bibliotecários atônitos.
Começava ali uma verdadeira caçada que envolveu todas as bibliotecas do país e revelou um estrago considerável que, até então, as próprias instituições não tinham dado conta. Centenas de livros raros sobre mapas tinham sido mutilados e várias páginas, com belos mapas antigos sempre muito procurados nos antiquários e galerias, faltando.
A busca por Schild foi intensa, mas ele parecia estar sempre um passo à frente. A Polícia, que chegou a fazer uma busca em sua casa sem encontrar nenhum mapa roubado, praticamente abandonou o caso em 2002. Em 2010, Schild quase foi apanhado ao marcar uma visita à Biblioteca da Universidade de Darmstadt, de onde, agora se sabia, ele tinha roubado uma série de ilustrações do rio Reno, em 1988 – seu primeiro roubo conhecido. Os bibliotecários montaram uma armadilha, mas Schild não apareceu.
Foi só em 2017 e em uma biblioteca fora da Alemanha, na Universidade Innsbruck, nos Alpes Austríacos, que ele foi apanhado. A bibliotecária inseriu o nome de Schild no sistema e viu os alertas sobre ele. O livro que ele havia consultado – um volume de 1627 de Johannes Kepler – tinha um problema. Faltava a gravura de mapa-múndi gravado avaliada em €30.000. A funcionária tinha estado o tempo todo na sala, mas saíra rapidamente para ir ao banheiro. Apesar de o mapa continuar desaparecido, o episódio permitiu levar Schild à Justiça, onde o caso se arrasta até hoje.
Fonte: Atlas Obscura
Edmilson M. Volpi é engenheiro cartógrafo e editor da página Curiosidades Cartográficas no Facebook e Instagram