Quando os mapas do escritor inglês Richard Ligon retratando Barbados foram publicados na Londres de 1657, os estudiosos da época já discutiam há muito sobre a origem misteriosa dos porcos encontrados pelos colonizadores britânicos na ilha caribenha, 30 anos antes. Em seus desenhos bem ao estilo da época, Ligon havia descrito cenas dramáticas e curiosas, como escravos fugitivos sendo alvejados por capatazes, os famosos monstros marinhos no entorno da ilha e camelos que os ingleses levaram para lá.
Mas o que sempre intrigou os pesquisadores foram os desenhos de cinco porcos de cauda enrolada: dois peludos e três de pele lisa. Afinal, como eles haviam parado lá? Já existiam antes de os portugueses aparecerem, em 1536 – os primeiros europeus a pisarem em solo barbadiano? Tinham sido eles a deixar os animais para garantir alimento em uma próxima visita – prática comum entre os exploradores da época? Os animais descritos por Ligon eram os mesmos que os britânicos encontaram na ilha, em 1624?
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Foram precisos mais de 300 anos até que a arqueóloga e professora assistente da Simon Frasier University, Christina Giovas, obtivesse uma resposta.
Estudiosa da pré-história caribenha e investigadora das inúmeras levas de povos que chegaram à região, Giovas já havia constatado que os primeiros humanos a ocuparem a ilha haviam chegado lá por volta de 2.400 a.C., apesar de os ingleses não terem registrado a presença de nativos, provavelmente porque os portugueses os haviam levado como escravos. E foi buscando elementos ligados à ecologia desses humanos primitivos que, em 2014, ela se deparou com algo inesperado: um fragmento de dentes afiados da mandíbula de um catitu, que a datação de carbono estimou ter vivido na ilha entre 1645 e 1670.
De acordo com ela, havia dois tipos de porcos em Barbados: os de pele mais lisa, domesticados, e os peludos, selvagens, levados para lá por nativos americanos anteriores ou, mais provavelmente, por navegadores espanhóis ou portugueses.
Assim como camelos, hoje não existem queixadas em Barbados, mostrando como a intervenção humana, ao introduzir novas espécies (como ratos, gatos, porcos, trigo e cana-de-açúcar) nos ecossistemas, durante seus deslocamentos, pode falhar. Para John Krigbaum, um dos colaboradores de Giovas, histórias como essas não nos falam apenas sobre as práticas agrícolas das pessoas, mas sobre suas relações com a cultura e o mundo natural. “Os animais têm tanto a dizer sobre os humanos quanto os próprios humanos”, diz ele.
Edmilson M. Volpi é engenheiro cartógrafo e editor da página Curiosidades Cartográficas no Facebook e Instagram.
Fontes: Atlas Obscura e Curiosidades Cartográficas