Escala ainda é desafio para viabilizar crédito de carbono

Embora o mercado de crédito de carbono tenha crescido significativamente nos últimos anos, ainda há muitas questões relacionadas à escala que precisam ser abordadas para torná-lo mais acessível e viável.

A advogada Rafaela Parra, líder da área de Direito Ambiental no Araúz Advogados, professora e autora de livros, traz algumas preocupações que mostram os desafios de se trazer uma sinalização financeira para reflorestar o país, principalmente focadas na propriedade da terra, nas leis ambientais e no monitoramento e relato de emissões de gases do efeito estufa. Acompanhe os principais pontos da entrevista.

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Como é o mercado de créditos de carbono no Brasil e no mundo? É um mercado atrativo?

Ainda é um mercado voluntário, ou seja, não há regulação específica e obrigatoriedade de compensação para empresas. Mas é um mercado em amplo crescimento no Brasil e no Mundo, impulsionado pela necessidade em reduzir as emissões dos gases de efeito estufa e mitigar as mudanças climáticas.

O Acordo de Paris é o principal instrumento que estabelece as regras para a redução de emissões dos gases de efeito estufa em nível global. No Brasil, o PL 528/21, visa a regulamentação da compra e venda dos créditos de carbono no País, através da implementação do Mercado Brasileiro de Redução de Emissões (MBRE).

Além disso, existem algumas leis que tratam do assunto, ainda que indiretamente, sendo: a Lei nº 12.187/2009, que instituiu a Política Nacional sobre Mudança do Clima (PNMC) e classificou os créditos de carbono como “títulos mobiliários representativos de emissões de gases de efeito estufa evitadas certificadas” e; a Lei nº 13.576/2017, que dispõe sobre a Política Nacional de Biocombustíveis (RenovaBio), que estabelece as regras e diretrizes para a comercialização dos créditos de descarbonização (CBIOs) no Brasil. O RenovaBio tem como objetivo incentivar a produção de biocombustíveis, que são menos poluentes do que os combustíveis fósseis, e fomentar a redução de emissões no setor de transporte.

Qual o papel dos projetos de reflorestamento para este mercado? A viabilidade econômica destes projetos já é uma realidade ou falta escala?

Os projetos de reflorestamento têm um papel fundamental nesse mercado de créditos, pois são uma forma eficaz de sequestro do carbono da atmosfera. As árvores absorvem dióxido de carbono durante o processo de fotossíntese e armazenam em sua biomassa. Quando uma área é reflorestada, ocorre um aumento líquido no armazenamento de carbono, o que pode gerar créditos que podem ser comercializados.

A viabilidade econômica dos projetos de reflorestamento como fonte de créditos de carbono depende de vários fatores, incluindo o preço dos créditos de carbono, o custo do estabelecimento e manutenção da floresta e as barreiras regulatórias e burocráticas associadas ao registro e validação dos projetos. No entanto, muitos projetos de reflorestamento já são economicamente viáveis e estão em operação em todo o mundo, especialmente aqueles que combinam a restauração florestal com a produção de madeira ou outros produtos florestais.

Embora a escala ainda seja um desafio, existem iniciativas em andamento para aumentar o número e o tamanho dos projetos de reflorestamento, com é o caso do Programa de Restauração de Paisagens Florestais (FLR, na sigla em inglês), liderado pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), que visa restaurar 350 milhões de hectares de paisagens florestais degradadas em todo o Mundo até 2030, o que poderia gerar uma grande quantidade de créditos de carbono.

Qual a importância dos escritórios de advocacia no aconselhamento de seus clientes sobre investimentos em projetos de emissão de créditos de carbono? Há peculiaridades quanto aos de reflorestamento? 

Os escritórios de advocacia são fundamentais para o aconselhamento dos clientes que tem interesse nesse mercado, sobre os investimentos em projetos de emissão dos créditos de carbono, especialmente porque envolvem complexas questões legais e regulatórias. O aconselhamento jurídico pode ajudar os clientes a entender as obrigações regulatórias e legais associadas aos projetos dos créditos de carbono, bem como mitigar riscos legais e financeiros.

No caso de projetos de reflorestamento, há algumas peculiaridades a serem considerada, sendo necessário avaliar questões relacionadas à propriedade da terra, uma vez que muitas áreas degradadas podem estar em disputa legal. Também é preciso considerar as leis ambientais e de uso da terra, que podem variar de acordo com o país e a região em que o projeto está sendo desenvolvido. Além disso, é importante avaliar os requisitos de monitoramento e relato de emissões de gases do efeito estufa, e garantir que esses processos sejam conduzidos de maneira precisa e confiável.

Os escritórios de advocacia também podem ajudar os clientes a avaliar as diferentes opções de certificação e validação dos créditos de carbono, como o Verified Carbon Standard e o Gold Standard, e a escolher a melhor opção para o projeto em questão. Além disso, podem ajudar os clientes a negociar contratos de compra e venda dos créditos de carbono, garantindo que seus interesses estejam protegidos. Assim, os escritórios de advocacia são indispensáveis no aconselhamento e assessoramento dos clientes, sobre os investimentos em projetos de créditos de carbono, especialmente de reflorestamento.

Algumas empresas de reflorestamento têm investido no modelo de “corredores” que, ao invés de focar em apenas uma grande propriedade rural, adquire várias pequenas para aumentar a atratividade do negócio. Qual o nível de complexidade jurídica para este modelo? É um negócio mais arriscado sob o ponto de vista das lides territoriais?

O modelo de corredores de reflorestamento, que envolve a aquisição de várias pequenas propriedades rurais adjacentes, para formar um grande corredor florestal, pode ser mais complexo do ponto de vista jurídico do que projetos de reflorestamento em uma única propriedade. Isso ocorre porque envolve questões relacionadas à propriedade da terra, que podem ser mais complexas em áreas com várias pequenas propriedades.

Cada propriedade pode ter diferentes proprietários, com diferentes direitos e obrigações em relação à terra, o que pode tornar a aquisição e a gestão mais complexa. Além disso, pode haver questões relacionadas com a legislação ambiental, de uso da terra e trabalhista, o que precisa ser levado em consideração, para evitar riscos legais e financeiros. No entanto, esses riscos não são exclusivos do modelo de corredores de reflorestamento, e podem ser mitigados por meio de planejamento cuidadoso, consultoria jurídica especializada e due diligence rigorosa antes da aquisição das propriedades. É importante avaliar as obrigações legais e regulatórias associadas a cada propriedade e garantir que essas obrigações sejam cumpridas.

Em termos de lides territoriais, o modelo de corredores de reflorestamento pode apresentar mais riscos, uma vez que envolve a aquisição de várias propriedades adjacentes, o que pode aumentar as chances de disputas. É importante realizar uma análise detalhada da situação fundiária de cada propriedade, para garantir que não existam conflitos territoriais ou outras disputas legais pendentes antes da aquisição das propriedades.

Portanto, o modelo de corredores de reflorestamento, pode ser mais complexo do ponto de vista jurídico e apresentar riscos adicionais em termos de lides territoriais. Mas esses riscos podem ser mitigados por meio de planejamento criterioso e consultoria jurídica especializada.

É comum a realização de “due diligences” ambientais também quando o assunto é investimento em projetos de reflorestamento? Para as análises já se utilizam ferramentas geotecnológicas ou estas se baseiam exclusivamente na leitura de documentos e processos?

Sim, é comum a realização de due diligences ambientais para investimentos em projetos de reflorestamento. Essas diligências são importantes para avaliar a conformidade do projeto com a legislação ambiental aplicável, identificar possíveis riscos/passivos e garantir que o projeto esteja em conformidade com os requisitos regulatórios e de mercado.

As due diligences ambientais podem ser realizadas por meio de diversas ferramentas, incluindo a análise documental, visitas ao local, entrevistas com stakeholders e o uso de ferramentas geotecnológicas. A análise documental inclui a revisão de todos os arquivos relevantes, como licenças ambientais, autorizações e registros, além dos relacionados com a propriedade da terra e questões trabalhistas.

As visitas ao local permitem uma avaliação mais detalhada das condições ambientais e sociais no local do projeto, enquanto as entrevistas com stakeholders, permitem avaliar a percepção da comunidade local e de outros interessados no projeto. O uso de ferramentas geotecnológicas também é cada vez mais comum na realização de due diligences ambientais em projetos de reflorestamento, que são utilizadas para avaliar a cobertura vegetal, identificar áreas degradadas, avaliar a topografia do terreno e identificar áreas de alto valor de conservação.

Assim, a realização de due diligences ambientais, é uma prática comum nos investimentos em projetos de reflorestamento, podendo envolver uma variedade de instrumentos, incluindo a análise documental, visitas ao local, entrevistas com stakeholders e o uso de ferramentas geotecnológicas.

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