Para o presidente da Associação Brasileira das Empresas de Telecomunicações por Satélite (Abrasat), Fábio Alencar, o boom do mercado de satélites abre espaço para todos os empreendedores, está maduro – inclusive no Brasil – e já saiu da fase da ficção científica, com oportunidades de negócios infinitas. “O trabalho no espaço deixou de ser um sonho de astronautas e pesquisadores bancados pelo governo para ser uma oportunidade real e acessível a todo empreendedor capaz de entender as demandas do seu mercado e buscar as soluções para ele dentro e fora das nossas fronteiras”, afirma. Em entrevista ao Geocracia, Alencar salienta que o momento é do empreendedor que não tenha receio de inovar e se arriscar a construir modelos de negócio pioneiros, não apenas tecnológicos, mas do ponto de vista do investimento e da comercialização: “Este é um momento fantástico para investir nosso tempo e energia no setor”.
Acompanhe, a seguir, a entrevista na íntegra.
O mundo vive um boom no setor espacial, com empresas privadas entrando fortemente nesse setor e uma grande expansão no mercado de satélites? Qual a sua visão de futuro a partir de todos esses avanços?
Muito importante este novo “boom” espacial. De um lado, temos simplesmente os dois maiores bilionários do planeta investindo pesadamente em veículos lançadores e construção de satélites, além de lançarem suas próprias constelações de baixa órbita para prestação de serviços via satélite. Do outro lado, temos muitos jovens empreendedores, com suas startups, trazendo inovação e diversidade a um mercado tradicionalmente dominado por grandes grupos industriais. E o melhor de tudo, teremos literalmente espaço para todos os novos empreendedores, assim como expansão das plataformas tradicionais. Todo este investimento no setor será muito benéfico para os clientes finais, pois com mais investimentos, novas tecnologias serão desenvolvidas e mais serviços estarão disponíveis aos usuários em geral. Mais volume significa melhores preços e ainda mais qualidade nos serviços. Assim como em outros campos da tecnologia, o foco principal de todos, grandes ou pequenos investidores, será nas aplicações e nas soluções que elas trazem aos nossos problemas do dia a dia, sejam elas soluções de conectividade, de acesso a dados, segurança etc.
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Como vê o Brasil nesse mercado? Estamos sabendo aproveitar essa onda global?
O Brasil sempre foi um mercado importante para o setor satélite, globalmente. Suas características geográficas e extensão territorial sempre colocaram as soluções via satélite em destaque. Desde a década de 70, com a primeira transmissão de TV via satélite, o setor tem se desenvolvido em linha com os principais mercados globais. O Brasil sempre foi bem atendido pelas operadoras de satélite de telecomunicação e, posteriormente, pelas demais tecnologias via satélite, como sensoriamento remoto. O país tem tradição no setor, gerando mão de obra especializada e desenvolvendo desde equipamentos embarcados nos satélites até equipamentos de terra, fundamentais para o uso efetivo destas plataformas. Devemos seguir incentivando o empreendedor nacional a ocupar mais espaço no mercado e, principalmente, a desenvolver as aplicações adequadas às nossas demandas, em setores críticos para nossa economia, como por exemplo o agronegócio, transportes e energia.
No entender da Abrasat, o mercado brasileiro está maduro para que as empresas brasileiras de satélite possam competir nesse segmento altamente desafiador?
Sim, o mercado brasileiro está maduro e deve permitir muita competição interna – e mesmo externa – para garantir as melhores soluções do segmento com os preços no patamar mais competitivo possível. Temos um forte mercado interno e a mão de obra especializada que o setor requer, mas precisamos entender, como sociedade em geral, que em um mercado globalizado como o espacial, barreiras alfandegárias e alta carga tributária podem reduzir a competividade das empresas brasileiras e impedir que vendam, tanto no Brasil como no exterior. Outros países com menor tradição no setor espacial têm avançado muito nas últimas décadas, e o Brasil não pode ficar atrasado em relação aos seus competidores.
Em virtude dessa grande proliferação dos LOE, satélites de órbita baixa, muito se tem falado da ameaça a missões espaciais por risco de choque com espaçonaves – a NASA até apresentou um relatório sobre isso, recentemente. Como o setor de satélites avalia essa questão e o que poderia ser feito para minimizar o problema do lixo espacial?
Com certeza, o tema de gerência de “detrito espacial” será cada vez mais debatido por todos do setor. Assim como a indústria automobilística, no passado, teve que aprender a conviver com o grande número de veículos concentrados nos grandes centros urbanos e produzidos aos milhões todos os anos, ou a indústria de TI precisou recentemente aprender a lidar com os resíduos gerados pelos milhões de computadores e celulares descartados todo ano, a indústria espacial terá que aprender a gerenciar os satélites artificiais em órbita da Terra, não apenas em quantidade como em variedade de modelos, órbitas, pesos, faixas de frequência etc. Claro que sempre existirá algum tipo de risco, mas ele será minimizado e a NASA, a ESA (Agência Espacial Europeia), assim como as demais agências espaciais internacionais, já estão estudando o tema. Com certeza, já avançamos muito nos planos de retirada de órbita dos satélite inativos, assim como controle dos satélites ativos, de forma a minimizar o impacto desta possível expansão de objetos em órbita, mas acreditamos que, assim como a UIT (União Internacional de Telecomunicações) sempre controlou eficientemente o uso dos recursos orbitais em espaço e frequência, com certeza, em breve, novas políticas de ocupação da órbita serão implementadas, seja pela própria UIT, seja por outros organismos internacionais, como as agências espaciais, e irão regular o uso ainda mais seguro da órbita da Terra.
O que poderia dizer a um estudante que pensa trabalhar com o espaço? Como podemos incentivá-los?
Primeiro, devemos dizer que este é um momento fantástico para investir nosso tempo e energia no setor. O trabalho no espaço deixou de ser um sonho de astronautas e pesquisadores bancados pelo governo para ser uma oportunidade real e acessível a todo empreendedor que for capaz de entender as demandas do seu mercado e buscar as soluções para ele dentro e fora das nossas fronteiras, sem receio de inovar e arriscar a construir modelos de negócio pioneiros não apenas no lado tecnológico, mas também no lado de investimento e comercialização. Vemos novas empresas começando do zero mas focadas em um objetivo bem definido a partir do entendimento correto das necessidades dos seus potenciais clientes. Este é o principal segredo, encontrar o casamento perfeito entre a demanda e as soluções, saindo do modelo de ficção científica que muitas vezes parece associado à pesquisa espacial. O espaço é infinito e as oportunidades de desenvolver negócios com ele também são infinitas. Você não precisa necessariamente ser um bilionário, ou trabalhar para um, para construir sua carreira no setor espacial. Basta estudar bem o mercado e trabalhar com afinco nas soluções que acreditar serem as mais inovadoras, mas também as mais viáveis de implementar a um custo competitivo.