Jenifer Ribeiro, da Agência iNFRA*
O STF (Supremo Tribunal Federal) e o STJ (Superior Tribunal de Justiça) vem julgando de forma diferente processos que discutem se as concessionárias de energia devem ou não pagar para usar faixas de domínio (áreas laterais e adjacentes às rodovias).
Para o STF, não deve haver pagamento pelo uso dessas áreas porque o estado/município não pode onerar uma concessão pública federal. Esse entendimento é baseado no art. 2 do chamado Código das Águas, o Decreto 84.398/80.
Segundo o decreto, “atendidas as exigências legais e regulamentares referentes aos respectivos projetos, as autorizações serão por prazo indeterminado e sem ônus para os concessionários de serviços públicos de energia elétrica”.
No entanto, o STF julgou somente ações envolvendo pedidos de estados e municípios. O STJ, por outro lado, apreciou processos movidos por concessionárias de rodovias. Por isso, o entendimento dos ministros deste tribunal é baseado na Lei de Concessões, e permite a remuneração da faixa de domínio.
A Lei 8.987/1995 permite que concessionárias de serviço público cobrem pelo uso dessas áreas em rodovias, desde que haja autorização prévia do poder concedente e permissão no edital e no contrato de licitação.
O art. 11 determina: “Poderá o poder concedente prever, em favor da concessionária, no edital de licitação, a possibilidade de outras fontes provenientes de receitas alternativas, complementares, acessórias ou de projetos associados, com ou sem exclusividade, com vistas a favorecer a modicidade das tarifas”.
O parágrafo único do artigo dispõe também: “As fontes de receita previstas neste artigo serão obrigatoriamente consideradas para a aferição do inicial equilíbrio econômico-financeiro do contrato”. Em uma decisão favorável à remuneração pelo uso da área, a ministra Assusete Magalhães chegou a dizer que a tese do STF não altera o entendimento do STJ.
Em outro provimento, a ministra Regina Helena Costa declarou que concorda com o STF em isentar as concessionárias de energia do pagamento para estados/municípios. Contudo, para ela, a situação é distinta quando o poder concedente autoriza a concessionária de rodovia a efetuar a cobrança.
A Lei das Concessões permite que as concessionárias de rodovias cobrem uma quantia de estabelecimentos para que eles ocupem a lateral das rodovias. Isso se estende a restaurantes e postos de combustíveis, por exemplo.
Gratuidade para energia
Em entrevista à Agência iNFRA, o diretor jurídico e institucional da Abradee (Associação Brasileira de Distribuidores de Energia Elétrica), Wagner Ferreira, afirmou que há uma “deficiência, inclusive econômica, nesse raciocínio jurídico”. Para ele, a gratuidade pelo uso das faixas acontece porque o serviço de energia é “essencial, transversal e isonômico”.
Ferreira também destacou que o pagamento causa um grande impacto para o consumidor de energia, já que esse valor será repassado para o consumidor, mas que não há benefício real para os usuários de rodovias e o valor irá virar “receita acessória” das concessionárias.
Ele ainda comentou que as concessionárias de rodovias não podem cobrar por uma área que não pertence a elas e que “está havendo uma transferência de recurso do consumidor de energia para o usuário do serviço de rodovia do país”.
Impacto de 25% na tarifa
Um estudo de 2021, encomendado pela Abradee, mostra que, se as concessionárias de energia precisarem pagar para usar as faixas de domínio, o impacto na tarifa de energia pode chegar a até 25% em alguns estados. Mas Ferreira acredita que não deve demorar para o STF reconhecer a inconstitucionalidade da cobrança e declarar repercussão geral.
Renovias x CPFL
Em fevereiro, a Segunda Turma do STJ decidiu acatar o pedido de agravo de recurso especial da Renovias Concessionária S/A. Com isso, a CPFL (Companhia Paulista de Força e Luz) não poderá mais ocupar a faixa de domínio localizada na SP-340, entre os quilômetros 118 e 118,2, sem a devida remuneração.
A relatoria foi da ministra Assusete Magalhães e a decisão foi unânime. No processo, a CPFL alega que precisa do trecho para fornecer energia elétrica para os consumidores da região de Campinas (SP) e que pagar por essa faixa é ilegal. Por sua vez, a Renovias defende que a remuneração atende a todos os requisitos legais.
À decisão ainda cabe recurso. Os representantes jurídicos da CPFL disseram à Agência iNFRA que entrarão com embargo de declaração por entenderem que a cobrança pela ocupação das faixas de domínio não é justa. Além disso, de acordo com os advogados, isso acarreta no aumento da conta de energia e não beneficia ou diminui os custos para os usuários das rodovias.
Também à Agência iNFRA, os advogados da Renovias afirmam que a Corte, em julgamentos anteriores parecidos, deliberou a favor da remuneração. Mesmo assim, declaram que no caso de perderem um possível recurso não haverá nenhuma consequência direta para o consumidor, como o aumento da tarifa do pedágio, por exemplo.
Outros processos
Em dezembro do ano passado, a primeira turma do STJ julgou um recurso especial com tema parecido envolvendo a Ecovias e a CPFL Piratininga. A concessionária da rodovia recorreu de uma decisão que permitia que a companhia elétrica usasse uma faixa de domínio para a instalação de linhas de transmissão.
Na ocasião, a ministra relatora Regina Helena Costa, assim como toda a primeira turma, decidiu em favor da Ecovias. A justificativa foi a mesma empregada no caso da Renovias contra a CPFL.
Por sua vez, o plenário do STF julgou duas ações diretas de inconstitucionalidade sobre o tema também em dezembro do ano passado. Em ambas, a Corte entendeu que os estados do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina não podem cobrar pelo uso dessas faixas tanto em rodovias estaduais, quanto em federais. Os processos foram abertos pela Abradee.
* A publicação deste conteúdo é fruto da parceria entre o Geocracia e a Agência iNFRA.