Os desastres naturais, como o tsunami fluvial que ocorreu recentemente no Rio Grande do Sul, impactam as sociedades por gerações. Em momentos como este, é fundamental a utilização de tecnologias avançadas para mitigar seus efeitos. Para entender melhor como essas tecnologias podem ser empregadas na prevenção e mitigação de desastres, Thomas Ficarelli, presidente da Associação Profissional de Geógrafos no Estado de São Paulo (APROGEO-SP) e sócio da Teraviz Consultoria e Projetos compartilhou suas perspectivas sobre o papel das geotecnologias na resposta a catástrofes e na prevenção de doenças de veiculação hídrica em áreas afetadas.
Como as geotecnologias podem ser utilizadas para mitigar os impactos sanitários de um tsunami fluvial como o ocorrido no Rio Grande do Sul, especialmente na prevenção de doenças de veiculação hídrica em áreas afetadas pela catástrofe?
As geotecnologias podem direcionar a localização de postos de atendimento para suprir as populações com mantimentos, abrigo, água potável, agasalhos, cobertores e remédios. Servem para definir estimativas de estoques para todo direcionamento logístico destes produtos e serviços. Venho recebendo notícias mostrando que tal distribuição entre os centros de ajuda, oficiais ou voluntários, não ocorre de forma proporcional às respectivas demandas locais. Ou seja, há faltas e excessos dentre essa cadeia de postos e com a geotecnologia torna-se mais fácil saber quem precisa do quê e onde. Além da água potável, a condição de vida tem impacto direto na imunidade das pessoas e consequentemente na intensidade e proporção de doenças de veiculação hídrica que venham a ocorrer.
A reoperação de sistemas de abastecimento de água tratada é claro desafio ainda em muitas cidades gaúchas. No caso de sistemas digitalizados e cartografados torna-se mais simples definir as áreas onde haverá necessidade de interrupção e de reparos nesses sistemas e assim, orientar ações de prazo imediato como distribuição de galões de água e, após a limpeza das vias, a passagem de caminhões-pipa.
Sobre as doenças de veiculação hídrica em si, temos de admitir se tratar de um cenário muito complexo, pois é impossível definir o teor físico-químico do conteúdo da lama assentada nas áreas inundadas e quantidade de resíduos sólidos que elas carregaram para definição mais precisa de focos de doenças. Assim cabe a garantia de água limpa e potável à população, em qualquer condição na qual ela se encontre.
Em um ambiente de catástrofe, quais são os principais obstáculos para uma colaboração eficaz na partilha de informações geográficas entre agências governamentais e companhias de água e esgoto, e que medidas podem ser tomadas para superar esses obstáculos e acelerar a recuperação?
Entendo haver, pelo menos, três obstáculos: (i) Falta de uma agenda comum entre os entes federativos e entidades diversas. Nestes aspectos os Comitês de Bacias Hidrográficas podem ter o papel estratégico em definir essa cooperação e partilha de recursos e informações; (ii) Responsabilidade(s) sobre quem irá trabalhar e unificar essas informações geográficas, com quais métodos e objetivos e para apoiar quais entidades; e (iii) Será que existem informações geográficas em suficiência a serem partilhadas ? Nem sempre elas foram criadas ou analisadas, o que caberia realizar este levantamento, inclusive para verificar a ausência destas (quando for o caso) e seus motivos.
Situações de catástrofe como a que vemos no Rio Grande do Sul devem sensibilizar gestores e governantes para além de seus próprios limites institucionais e colaborarem em uma ação planejada de governança comum e partilha dessas informações.
Assim, entendo que caberia ao próprio governo do estado se unir junto a Comitês de Bacias Hidrográficas e municípios e criar uma força-tarefa conjunta e ininterrupta para partilhar, unir, cruzar e analisar esses dados. Assim, além dos dados estruturais e de saúde pública evidentes nesses últimos dias, tais ações poderão dimensionar danos ambientais e socioeconômicos a fim de orientar ações e recursos pelo território e suas populações no médio e longo prazos.
A respeito da APROGEO-SP, como ela atua para representar os geógrafos nas atividades e decisões do CONFEA e CREA/SP? Poderia dar exemplos específicos de ações ou iniciativas recentes?
No CONFEA/CREA, embora haja a distinção entre os profissionais da Engenharia, Agronomia e Geociências (geógrafos, geólogos, geofísicos e meteorólogos), o Sistema tem direcionado seus grupos e objetivos para que os profissionais e associações se integrem o máximo possível entre si. A bandeira das diversidades está bastante viva no sistema e isso inclui uma maior participação de grupos de menor representatividade, como nós geógrafos que somos aproximadamente 0,6% do sistema CONFEA.
A APROGEO-SP existe desde 2004 . De 2012 aos dias atuais temos representação de conselheiros frente ao CREA-SP. Desde 2022 somos representados pela geógrafa Eltiza Rondino Vasques (e sua suplente Denise Maciel), que atuam na Câmara Especializada de Engenharia e Agrimensura (CEEA), a qual toma decisões quanto a demandas dos profissionais por inclusão de atribuições e títulos profissionais. Quanto ao próprio CREA-SP, a câmara trata das relações institucionais entre o conselho e demais instituições dentre os temas que cabem à Geografia, Agrimensura, Cartografia e profissões correlatas.
Historicamente, houve conselheiros nossos que ocuparam a coordenação desta câmara, tal como hoje a Eltiza exerce a coordenação, cuja função destaca a profissão não somente na câmara, mas no sistema como um todo. Além disso, participamos da Federação Nacional das Associações de Geógrafos (FENAGEO), do CCEEAGRI (Coordenadoria de Câmaras Especializadas de Engenharia de Agrimensura, do CONFEA) e do CDER (Colégio de Entidades Regionais de São Paulo do CREA-SP), onde atuamos em grupos que orientam tomadas de decisões conjuntas nas relações institucionais e reivindicações. Cabe destacar que há centenas de opiniões e demandas dentre tudo o que ocorre no sistema CONFEA/CREA e que, no momento, temos buscado fortalecer essa representatividade para que nossa classe profissional se mostre atuante e importante para o sistema e assim termos mais espaço.
Quanto à APROGEO-SP por conta própria, buscamos organizar eventos e montar publicações para apresentar aos geógrafos que estamos disponíveis para. Também utilizamos a comunicação institucional para promoção de nossa profissão, de forma a informar e encorajar geógrafos a atuarem nas diferentes frentes e possibilidades da profissão. Cabe também informarmos à sociedade sobre estas frentes, pois muitas vezes são pouco conhecidas por profissionais de outras áreas, embora tenha visto boa melhoria nos últimos anos.
No caso de desastres ambientais, como os geógrafos têm se posicionado no mercado e como podem ser efetivos para evitar que situações como o ocorrido no Rio Grande do Sul se repitam naquela proporção?
O que observamos de mais comum é a capacidade dos geógrafos de atuarem em mapeamentos de risco para áreas de deslizamentos e áreas alagáveis. Porém, o mapeamento pode ser somente uma “porta de entrada” pois costumeiramente somos observados como aqueles que fazem mapas. Até provarmos termos capacidade para outras ações e assim termos maior participação nos grupos técnicos e institucionais.
Em nossos encontros da APROGEO-SP, observamos que cabe aos geógrafos participar desses ambientes profissionais e do mercado, se expressar e trazer soluções. Ferramentas, métodos, ações, comunicação social e institucional trazem um profissional bastante completo em se prevenir e agir nas ocasiões de desastres naturais.
O caso do Rio Grande do Sul comoveu a todo o país e certamente à nossa classe profissional. Para sermos efetivos em evitar cenários como estes cabe uma maior participação nesses espaços comuns e trazer à tona a necessidade de agendas em situações de desastres como esses, que ao ocorrerem desconhecem limites entre imóveis, municípios e responsabilidades políticas históricas ou atuais. A Geografia e os geógrafos podem trazer de forma clara a grupos e entidades a ilusão desses limites e que esforços integrados em prevenção e remediação favorecem essas partes todas. É uma área bastante multi e interdisciplinar e certamente de interesse e familiaridade a diversos geógrafos e cabe mostrarmos e exercermos isto perante a sociedade que ainda pouco conhece nossa profissão.