Humberto Pontes: Nova regulação de compartilhamento de postes entre Aneel e Anatel organizará cidades e incentivos setoriais

Humberto Pontes, chefe da Assessoria Técnica da Anatel (Imagem: Anatel)

Em entrevista exclusiva ao Portal Geocracia, o chefe da Assessoria Técnica da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), Humberto Pontes, disse que a regulamentação sobre compartilhamento de postes entre distribuidoras de energia elétrica e prestadoras de serviços de telecomunicações, um dos maiores gargalos para ambos os setores, deve estar concluída no primeiro semestre de 2022. “Esse processo vem sendo construído em conjunto pelas duas Agências (Aneel e Anatel), já possui Análise de Impacto Regulatório (AIR) e opinativo jurídico. Atualmente, aguarda a deliberações das direções das duas agências para que siga à etapa de Consulta Pública, período no qual a sociedade tomará conhecimento da proposta de endereçamento do tema e poderá apresentar suas contribuições”, disse Pontes, realçando que o tema é de central importância sob aspectos que vão desde a organização urbanística até a “construção de incentivos regulatórios e econômicos que resultem num melhor aproveitamento da infraestrutura com ganhos para ambos os setores”.

Com todas as mudanças tecnológicas recentes, que de certa forma reconfiguraram o setor de telecomunicações por meio da proliferação dos celulares e do atrofiamento do uso da telefonia fixa, quais são os desafios principais setoriais na ótica da Anatel? 

A redução das lacunas de conectividade no País é um dos principais desafios que enfrentamos e pauta boa parte da atuação na Agência. Há em curso diversas iniciativas para promover a expansão da infraestrutura, cobrir essas lacunas e universalizar o acesso à internet. Para isso, por exemplo, utilizamos alguns mecanismos aderentes a uma regulação mais responsiva, como os Termos de Ajustamento de Conduta (TAC) e sanções de obrigações de fazer, que substituem o modelo tradicional de aplicações de multas por obrigações de investimentos em projetos de infraestrutura, com alocação mandatória em localidades de baixa atratividade econômica.  

Também ao encontro do tema de conectividade está a nova licitação do espectro de radiofrequência, o leilão do 5G. Será o maior leilão de radiofrequências da história do país e terá um viés menos arrecadatório e mais focado em compromissos nacionais e regionais de investimentos de cobertura e de redes de transmissão (backhaul), que obrigarão as empresas vencedoras do leilão a atenderem áreas pouco ou não servidas, como localidades e estradas, com tecnologia 4G ou superior. Para os municípios com mais de 30 mil habitantes, estão previstos compromissos de atendimento com a tecnologia 5G. 

Como reguladores, temos o permanente desafio da revisão e simplificação regulatória, com o objetivo de dar mais consistência e qualidade às normas que regem o mercado. Nos últimos anos, a Anatel reduziu as suas resoluções normativas vigentes em quase 60%. 

Também encaramos o desafio de ser um articulador para superar obstáculos decorrentes de legislações e burocracias que afetam o setor. Muitas vezes, legislações locais impõem barreiras à expansão das redes necessárias para garantir a conectividade dos municípios. A dificuldade na obtenção do licenciamento urbano é um dos pontos mais citados pelas prestadoras como empecilho para instalação dos equipamentos. Além disso, a burocracia para obtenção de licenças se materializa desde a excessiva quantidade de regras e instâncias para aprovação, até a proibição de instalação dos equipamentos em determinadas regiões. A Anatel mantém o diálogo abeto com os municípios para prestar esclarecimentos e auxiliar a construção e revisão das legislações locais. 

 
Já a partir do ano que vem, a Anatel vai passar a coletar dados operacionais e econômicos das operadoras de satélites com direitos vigentes no Brasil. Que tipo de estudos sobre o futuro do mercado de satélites a agência espera realizar e com que finalidade o setor será monitorado com base nos dados coletados? Existe algum tipo de interação com a Agência Espacial Brasileira (AEB) neste tema?

Por enquanto, serão somente coletados os dados de satélites comerciais que possuem direito de exploração, e a AEB não participará do fluxo de coleta. Vale ressaltar, contudo, que a Anatel atua em colaboração com a Agência Espacial Brasileira na notificação de satélites brasileiros junto ao United Nations Office for Outer Space Affairs (UNOOSA) da ONU, também chamada de notificação COPUOS. Após o lançamento de satélites brasileiros, a Anatel tem a função de notificar a AEB para que os parâmetros orbitais básicos do satélite sejam comunicados ao UNOOSA/COPUOS. Esperamos que os dados possam ajudar a validar a notificação ao COPUOS, uma vez que coletaremos o identificador internacional do objeto espacial brasileiro. 

A coleta de dados técnico-operacionais e econômico-financeiros das operadoras detentoras de direito de exploração de satélites favorecerão atividades e processos internos e externos, como a evolução e maior eficiência à gestão da informação sobre o setor de satélites. Também fornecerá subsídios a publicações e estudos do setor, como por exemplo o Plano Estrutural de Redes Telecomunicações (PERT) (capítulo de satélites), o Diagnóstico para Plano de Uso do Espectro; o Relatório Anual da Anatel; os Relatórios de Panorama do setor e as Análises de Impacto Regulatório (AIR). 


A pandemia acabou por acelerar diversas soluções tecnológicas que estavam ainda jovens ou pouco utilizadas, como a geolocalização dos casos positivos de covid-19 em plataformas de monitoramento da doença. Tivemos ainda a MP 954, que obrigava o envio de 220 milhões de números de telefones à Fundação IBGE (medida suspensa pelo STF). Considerando que a cartografia colaborativa se inicia na palma das mãos por meio dos celulares, qual a experiência que a Anatel leva desse processo?

Com efeito, medidas associadas à mitigação dos riscos e impactos da pandemia de covid-19 trouxeram à tona o debate acerca da gestão e utilização de dados, pessoais ou não, pelo Poder Público e pelo setor privado. Embora o papel da Anatel não se confunda com aquele previsto na Lei nº 13.709/2018 – Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) para a Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD), no que tange ao setor de telecomunicações, objeto de sua atuação regulatória, a Agência fez alertas formais específicos (como sobre mobilidade ou concentração de pessoas, por exemplo) tanto às prestadoras de telecomunicações quanto a outros órgãos públicos envolvidos com ferramentas de coletas e disponibilização de dados relacionados. 

A posição da Agência foi a de ressaltar a necessidade de que essas medidas decorressem de decisões motivadas, alinhadas à legislação nacional e com transparência para órgãos de controle e para a sociedade. Ressaltou-se que a ponderação de tutela entre saúde e privacidade encontra-se no mais alto grau de nossa hierarquia normativa. E que, a despeito da crise, o momento ainda comportaria a possibilidade de harmonização entre os dois bens jurídicos. 

No que toca ao papel atribuído para a Agência no âmbito da MP 954, foi feita uma série de recomendações ao IBGE, quanto ao uso dos dados encaminhados à instituição. Destacou-se a necessidade de uma sólida instrumentalização jurídica para a relação entre o Instituto e cada uma das prestadoras de serviços de telecomunicações a serem demandadas; a limitação das solicitações ao universo de dados estritamente indispensáveis para o atingimento da finalidade pretendida; a delimitação do período desse uso e a forma de descarte dos dados, além da aplicação de boas práticas de segurança, transparência e controle. A pertinência dessas recomendações refletiu-se inclusive no reconhecimento à atuação da Anatel mencionada em julgamento no qual do STF apreciou a MP 954. 

De forma a sintetizar a experiência obtida no período, pode-se dizer que ficou patente a necessidade de abordagem coordenada a respeito do tema pelos mais diversos órgãos do Poder Público nas mais diferentes esferas. A despeito de uma legislação consistente, a cultura e a regulação da proteção de dados no país ainda estão em fases iniciais, o que impõe maior diligência ainda a todos os envolvidos.  


Com o início da vigência da LGPD em 1º de agosto, existe alguma articulação entre a ANPD e a Anatel sobre tráfego de dados privados na rede? O que a sociedade pode esperar desta relação?

Ainda não houve uma articulação específica sobre o tema. A ANPD está assinando Acordos de Cooperação Técnica com diversos órgãos. Já assinou acordos com a SENACON, CADE, NIC.br. Considerando que a Lei nº 13.709 prevê explicitamente que a ANPD e órgãos que regulam setores da atividade econômica devem se coordenar nas correspondentes esferas de atuação para assegurar maior eficiência e promover o adequado funcionamento dos setores regulados, espera-se a ação em conjunto em matérias que dizem respeito às telecomunicações e o adequado funcionamento do setor frente aos desafios trazidos pela Lei Geral de Proteção de Dados. 

Outra iniciativa recente da ANPD foi a criação de um fórum permanente com a participação dos encarregados que atuam em órgãos públicos. A iniciativa ainda tem caráter experimental, e pretende ampliar as trocas de experiências na implementação da LGPD.  

O setor tradicionalmente tem uma atuação focada em segurança cibernética, já dispondo de grupo coordenado pela Agência para atuar nestas questões com maior efetividade.  

Acreditamos que a parceria entre a ANPD, a Anatel e o Setor de Telecomunicações será extremamente benéfica para a sociedade, considerando a possibilidade concreta de encontrar no setor soluções que ampliem as possibilidades de desenvolvimento econômico e que isso seja possível com respeito ao direito fundamental da privacidade e proteção de dados pessoais. 


Em entrevista ao Geocracia, o ex-presidente da Telcomp, João Moura, chamou a atenção para a necessidade de Aneel e Anatel se unirem para resolver a questão do compartilhamento de postes e alertava que o problema deveria começar a ser tratado com um mapeamento preciso dos postes e de suas ocupações. Também falando ao Geocracia, o presidente da ABCE, Alexei Vivan, afirmou que esse tema é muito importante e que o setor elétrico perde R$ 5 bilhões pelas dificuldades em aproveitar todo o potencial desse compartilhamento. Há espaço e interesse da Anatel em avançar com este tema com a Aneel? 

A reavaliação da regulamentação sobre compartilhamento de postes entre distribuidoras de energia elétrica e prestadoras de serviços de telecomunicações, hoje estabelecida por meio da Resolução Conjunta nº 4/2014, é um item da Agenda Regulatória da Anatel com previsão de conclusão no primeiro semestre de 2022. 

Esse processo vem sendo construído em conjunto pelas duas agências, já possui AIR e opinativo jurídico. Atualmente, aguarda a deliberações das direções das duas Agências para que siga à etapa de Consulta Pública, período no qual a sociedade tomará conhecimento da proposta de endereçamento do tema e poderá apresentar suas contribuições. Com efeito, o tema é de central importância sob aspectos que vão desde a organização urbanística até a construção de incentivos regulatórios e econômicos que resultem num melhor aproveitamento da infraestrutura com ganhos para ambos os setores.

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