O IBGE emitiu, na tarde desta quarta-feira (23), um comunicado esclarecendo que a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD) não desobriga cidadãos e empresas brasileiras a prestarem informações para fins estatísticos, nem mesmo sobre seus endereços e geolocalização. O texto lembra que “já existe no arcabouço jurídico que regula as atividades do IBGE legislação que garante o sigilo dos dados coletados pelo instituto e não há atrito com a LGPD”.
“É importante esclarecer a sociedade que o advento da LGPD não interfere na obrigatoriedade de prestação de informações estatísticas ao IBGE”, afirma Francisco Garrido, chefe da Unidade Estadual do IBGE, em São Paulo.
Leia também:
- “LGPD não pode ser instrumento de retrocesso”
- LGPD: especialistas alertam para uso ‘enviesado’ por agentes públicos
- Congresso promulga emenda constitucional da proteção de dados pessoais
De acordo com o IBGE, sua atuação está amparada em legislação federal específica, a Lei nº 5.534/1968, conhecida como Lei do Sigilo Estatístico, que, segundo a presidente do Comitê de Sigilo do IBGE, Maria do Carmo Dias Bueno, obriga a todos os residentes em território nacional a fornecerem informações para fins das estatísticas oficiais. Maria do Carmo explica que o que a LGPD prevê não contempla as pesquisas elaboradas pelo IBGE, que cumpre dever legal, de interesse público, estando, assim, amparado pelo art. 7º, incisos II, III, IV da própria LGPD: “O artigo prevê que é ‘dispensado o consentimento do titular para tratamento de dados pessoais nos seguintes casos aos quais o IBGE se submete: (i) cumprimento de obrigação legal (art. 1º da Lei nº 5.534/1968); (ii) insumo indispensável à formatação de políticas públicas (art. 2º da Lei nº 5.878/1973); e (iii) seriam executados para estudos de órgão de pesquisa (art. 3º, III, da Lei nº 5.878/1973)’”.
O IBGE menciona ainda que, na sua atuação, segue a prática da maioria dos países e as recomendações do Instituto Internacional de Estatística. Cita ainda seus 85 anos de experiência em “estatísticas oficiais de qualidade, assegurando a privacidade das informações individuais, consagrando a instituição como digna da fé pública, capaz de prestar serviços de qualidade, com imparcialidade e integridade”.
“A LGPD é uma lei recente e as pessoas não estão bem informadas, adotando uma postura defensiva, mas com o tempo tudo vai se esclarecer. Os cidadãos têm o direito de terem os dados protegidos, mas têm a obrigação de fornecer a informação para fins estatístico, e o IBGE tem a obrigação de garantir o sigilo dessas informações”, afirma Wolney Cogoy de Menezes, coordenador do Cadastro de Endereços para Fins Estatísticos (CNEFE) do IBGE.
Ele explica que, entre as informações coletadas no Censo, estão nome e endereço das pessoas. “As duas informações são armazenadas em ambientes completamente diferentes e não é possível que alguém faça uma consulta juntando os dois dados sem que haja o consentimento de duas áreas”, garante o coordenador do CNEFE.
A extensa nota do IBGE dá longos esclarecimentos sobre cuidados e procedimentos para manter os dados do Censo sob sigilo, desde um termo de confidencialidade assinado pelos funcionários, comprometendo-se a manter o sigilo das informações individuais a que tiverem acesso, até detalhes tecnológicos do tratamento dos dados coletados, como criptografia dos nomes e endereços das pessoas.
O comunicado termina com uma nota assinada pelo chefe da Unidade Estadual do IBGE no Rio Grande do Sul (UE/RS), José Renato Braga de Almeida:
Sobre os nossos compromissos, responsabilidades e metodologia
“Com o advento da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD), temos buscado adotar, em um esforço adicional, associado à nossa experiência na coleta de campo, utilizar uma abordagem de convencimento junto aos respondentes de nossas pesquisas e demais entidades parceiras na produção de nossas pesquisas. Enfatizamos que o IBGE, desde sempre, realiza seu trabalho e cumpre sua missão observando e garantindo o que hoje impõe a LGPD. Sim, o Instituto já trabalhava com produção de estatísticas amparado pela lei de proteção ao sigilo das informações das pessoas físicas e de empresas.
“No entanto, apesar da adoção de algumas ações e iniciativas das equipes locais, a percepção é que, infelizmente, são crescentes os números de recusas, alegações e supostas justificativas, por parte dos respondentes das pesquisas domiciliares, tabelionatos das pesquisas do REGCI, síndicos e administradoras condominiais – estas últimas indispensáveis no apoio e fornecimento de informações para nossas atualizações do CNEFE e PNAD C. Por isso, mais ainda neste ano especial do Censo, é tão importante ampliar os esforços a favor do entendimento de que nosso trabalho de coleta não fere as recomendações/determinações constantes na LGPD.
“É nesse contexto que precisamos urgentemente de uma mobilização institucional no sentido de trazer maiores esclarecimentos e compreensão sobre ambas as leis (LGPD e Sigilo) tanto para nosso público interno como para nossos informantes, parceiros institucionais e sociedade em geral. Trata-se de investir esforços que permitam – repito – maiores esclarecimentos e compreensão sobre todo o âmbito, o compromisso, a especificidade, a responsabilidade e a metodologia que adotamos no tratamento dos dados coletados. Tudo isso no sentido de reafirmar que, somados ao sigilo estatístico, o trabalho do IBGE está devidamente e honestamente adequado ao que estabelece a atual LGPD.”
Cisma entre LGPD e LAI?
O comunicado do IBGE surge no momento em que juristas e pesquisadores se mostram preocupados com recusas de órgãos federais a prestarem informações públicas usando como argumento a preservação da privacidade de dados dos cidadãos prevista na LGPD – sugerindo uma uma possível incompatibilidade com a Lei do Acesso à Informação (LAI).
Em artigo para o Conjur, na semana passada, a ex-controladora-geral ex-procuradora-geral-adjunta de Belo Horizonte, Cristiana Fortini, afirma que, em vez de uma cisma entre a LGPD e a LAI, o que existe é uma complementaridade entre as duas legislações. No texto, ela comemora entendimento da Controladoria Geral da União (CGU) de que a LAI “continua a ser a norma de regência para processos administrativos que versem sobre o tema da transparência” e da publicidade de dados pessoais.
Para Fortini, “em boa hora, a CGU reforça o dever de preservar a transparência necessária para acautelar o interesse público, o que não permite concluir que os dados pessoais possam ser publicizados de forma inconsequente e desnecessária, postura desautorizada tanto pela Constituição da República quanto pela própria LAI, anos antes do nascimento da LGPD”.
A ex-controladora-geral se referia à recente decisão do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), que, em 18 de fevereiro, com base na LGPD, removeu do seu portal as bases de dados de alunos e docentes da educação básica e os microdados das edições passadas do Enem 2020 e do Censo Escolar 2021.
Em nota publicada na semana passada, o Inep afirma que está reestruturando o formato dos microdados e que esses dados publicados em 18 de fevereiro seguem um novo formato de apresentação: “Os microdados anteriormente disponíveis foram todos removidos do portal para análise e adequação”.
No mesmo comunicado, o Inep anunciou que disponibilizou os microdados do Censo do Ensino Superior 2020 em um modelo simplificado, com controle de privacidade, em continuidade às ações de adequação dos microdados “para cumprir as normas da LGPD”.
O Instituto afirma estar amparado em uma avaliação do Projur, a Procuradoria Federal especializada junto ao Inep, afirmando que, “se a divulgação dos censos ou outras bases de dados mantidos pelo Inep puder resultar em acesso, por terceiros, a microdados pessoais não anonimizados ou que permitam a reidentificação de seus titulares, a divulgação não poderá ser realizada, de acordo com a LGPD”.
Segundo o Inep, as pesquisas que utilizam seus microdados agora restritos não estão inviabilizadas e podem ser acessadas por diversos meios, como o Serviço de Acesso a Dados Protegidos (Sedap), que possibilita o uso de bases restritas por pesquisadores.