O fomento de soluções tecnológicas para o bem estar dos idosos ainda é tímido. A opinião é de Mauro Moreira de Oliveira Freitas, CEO da Abracs – Associação Brasileira do Cidadão Sênior, entidade representativa da sociedade civil junto ao Conselho nacional dos Direitos da Pessoa Idosa (CNDI). No entender de Freitas, isso é “um problema e, por outro lado, uma enorme oportunidade de criação de novos serviços e produtos para essa parcela da população que, em breve, corresponderá a 25% do total de brasileiros”.
Em entrevista à Agência Geocracia, o conselheiro e vice-presidente do Conselho Nacional do Direito da Pessoa Idosa (CDNI) diz que a Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD) deveria gerar medidas e políticas públicas para proteger melhor os idosos dos crimes digitais, onde essa população é ainda mais vulnerável.
Acompanhe, a seguir, a entrevista na íntegra.
Os idosos estão entre os grupos mais vulneráveis a furto de dados. O Brasil, que envelhece em 30 anos o que Portugal envelheceu em 120, está preparado para esta nova realidade?
As pessoas idosas costumam ser alvos frequentes de crimes cibernéticos e golpes envolvendo furto de dados. Tanto é verdade que o crime virtual contra pessoa idosa teve aumentada sua pena objetivando dissuadir tais golpes. A nova lei torna mais graves os crimes de violação de dispositivos informáticos (como computadores, celulares e tablets), prevendo multa e até 8 anos de prisão.
Trata-se da Lei 14.155/2021, que prevê maior pena para crimes de furto e estelionato feito por meio eletrônico e a própria internet. Ou seja, não estamos preparados para enfrentar furtos de dados porque a própria população não tem noções adequadas de como se proteger. As fraudes em transações digitais, como por exemplo a clonagem no WhatsApp, assim como criminosos que se passam por falsos funcionários e representantes de instituições financeiras, também estão sujeitas à penalidade prevista na lei.
Leia também:
- Quebra do sigilo da geolocalização do trabalhador deve ser previamente aceita
- Karina Berbert Bruno: “Plataformas de geodados são cruciais para fazer política pública no Brasil hoje”
- Kátia Favilla: “‘Tô no Mapa’ pode significar a busca por direitos territoriais de comunidades”
Faz sentido termos, na ANPD, políticas específicas para tratamento de dados dos idosos? Em que termos?
Como já dito acima, a própria legislação vem sendo alterada para resguardar o direito da pessoa idosa e evitar furtos e fraudes envolvendo os dados dessas pessoas, mas aumentar as penas não é suficiente! A violência contra as pessoas vem crescendo consideravelmente em relação às pessoas idosas, seja pelo próprio aumento da parcela dessa população no Brasil, como porque a necessidade de expor os dados para acessar serviços, inclusive junto ao INSS, tem sido cada vez mais direcionado para meios eletrônicos, onde a pessoa idosa é ainda mais vulnerável. A ANPD devia, sim, gerar medidas e políticas públicas para proteger ainda mais as pessoa idosas, principalmente dos dados dos aposentados que geram infindáveis ligações ofertando créditos consignados que, muitas vezes, são fraudulentos. Além disso, o abuso praticado por call centers, que se apropriam de forma questionável dos dados das pessoas idosas, é algo que cada dia invade mais e mais a privacidade das pessoas idosas.
O CNDI tem inúmeras iniciativas voltadas para o bem-estar dessa população. É possível enumerarmos a gestão de dados entre estas iniciativas?
O CNDI tem se preocupado com o aumento de casos envolvendo furto de dados e fraudes praticadas contra as pessoas idosas, o que pode ser percebido até mesmo pelas informações do Disque 100. O golpe do empréstimo consignado do INSS, por exemplo, ocorre quando os estelionatários, de posse dos dados da pessoa contratam empréstimos consignados em bancos e instituições financeiras, depositando na conta da vítima. O furto dos dados ocorre via ligação, mensagens de texto e WhatsApp em nome do INSS ou do banco, levando a pessoa idosa a acreditar que pode confirmar seus dados e enviar cópia de documentos pessoais. A instituição contratada, então, informa ao INSS a existência do empréstimo, realizando descontos diretamente dos benefícios previdenciários do aposentado ou pensionista.
Diante do aumento crescente de violência praticada contra as pessoas idosas, o CNDI [serviço telefônico sobre direitos humanos e grupos vulneráveis] vem estimulando maior debate sobre o tema envolvendo furto de dados. Inclusive solicitando maior atenção das autoridades para coibir acesso indiscriminado aos dados de aposentados e pensionista para oferta de créditos não solicitados e que acabam por gerar descontos de até 40% do que ganham às pessoas idosas, que precisam arcar com custos altos de medicamentos, cuidados e moradia.
Do ponto de vista dos idosos enquanto usuários de dados públicos e ferramentas digitais, como avalia a iniciativa do governo digital?
Estão sendo criadas plataformas para facilitar a vida das pessoas idosas. O problema é que isso vem ocorrendo sem antes haver a inclusão digital dessas pessoas, o que pode complicar ainda mais o acesso a determinados serviços e exposição de dados de pessoas vulneráveis. A tecnologia avança numa rapidez muito maior que a capacidade de a população se adaptar às ferramentas.
Recentemente surgiram diversas iniciativas voltadas ao monitoramento de idosos, incluindo recursos tecnológicos dirigidos às famílias que permitem saber a qualquer momento onde cada membro se encontra, seja via web ou por telefone. Existe algum incentivo pelo CNDI para o fomento de soluções para o bem-estar do idoso?
Infelizmente, essa é uma questão que ainda não é pauta principal, porque ainda estamos focados em gerar a conscientização da população quanto a direitos das pessoas idosas, prevenção à violência e o estabelecimento de uma rede de proteção eficaz. Essa é uma pauta desejável e que precisa ser enfrentada para que a pessoa idosa no Brasil tenha uma vida digna, com acessibilidade aos serviços e benefícios alcançados pela tecnologia, inclusive quanto ao monitoramento da saúde, distribuição dessa população no território nacional, índices de participação na sociedade etc. O fomento de soluções tecnológicas para o bem estar das pessoas idosas ainda é tímido, significando um problema e, por outro lado, uma enorme oportunidade de criação de novos serviços e produtos para essa parcela da população que, em breve, corresponderá a 25% do total de brasileiros.