Investigação criminal e uso de dados de celular sem autorização judicial

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Investigação criminal: decisão do STF poderia gerar “arbitrariedades” – imagem: bublikhaus – Freepik

Em artigo publicado na semana passada no site Conjur, o advogado criminalista Leonardo Magalhães Avelar, do escritório Avelar Advogados, e a estudante de Direito e monitora de Direito Constitucional Gabriela Miguez Mello avaliam um julgamento que está para acontecer no Supremo Tribunal Federal (STF) envolvendo o acesso sem autorização judicial a dados privados de celulares na investigação criminal.

Após ter sido liberado pelo ministro Alexandre de Moraes, que havia pedido vista do processo em novembro de 2020, o tema 977 com repercussão geral “Licitude da prova produzida durante o inquérito policial relativa ao acesso, sem autorização judicial, a registros e informações contidos em aparelho de telefone celular, relacionados à conduta delitiva e hábeis a identificar o agente do crime” voltou a ser julgado no Plenário da Suprema Corte e já gera polêmica, com ministros se posicionando entre o “utilitarismo e a legalidade”.

O caso que será analisado no STF tem origem em um recurso extraordinário interposto pelo Ministério Público Estadual do Rio de Janeiro contra acórdão do Tribunal de Justiça daquele Estado, que absolveu um acusado de roubo por reconhecer ilicitude da prova produzida durante uma investigação criminal, já que teria sido obtida por violação do sigilo dos dados telefônicos. No crime em questão, a identidade do ladrão foi descoberta porque seu celular caiu no chão durante a fuga. Sem ordem judicial para acessar o conteúdo do aparelho, os policiais investigaram o histórico de chamadas e as fotos no celular para chegar até o criminoso.

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O Ministério Público Estadual defende que o acesso ao celular foi lícito, pois não existiria reserva de jurisdição para apreensão de bens relacionados ao fato delituoso. No início do julgamento no STF, o ministro relator Dias Toffoli concordou com o MP: “É lícita a prova obtida pela autoridade policial, sem autorização judicial, mediante acesso a registro telefônico ou agenda de contatos de celular apreendido ato contínuo no local do crime atribuído ao acusado, não configurando esse acesso ofensa ao sigilo das comunicações, à intimidade ou à privacidade do indivíduo”.

Já os ministros Gilmar Mendes e Edson Fachin votaram contra: “O acesso a registro telefônico, agenda de contatos e demais dados contidos em aparelhos celulares apreendidos no local do crime atribuído ao acusado depende de prévia decisão judicial que justifique, com base em elementos concretos, a necessidade e a adequação da medida e delimite a sua abrangência à luz dos direitos fundamentais à intimidade, à privacidade e ao sigilo das comunicações e dados dos indivíduos”.

Em seu artigo, Leonardo Avelar e Gabriela Mello ressaltam que o Habeas Corpus nº 91.867/PA, que teve como relator Gilmar Mendes e considera lícito o acesso ao histórico de ligações telefônicas armazenados em aparelho celular, não pode ser considerado precedente, pois “foi julgado no distante ano de 2004, época em que os aparelhos celulares eram utilizados praticamente apenas para ligações telefônicas, situação muito distante dos atuais smartphones“.

Excesso de vigilância estatal

Os autores lembram, inclusive, que, à época, Mendes ressaltava o fato de que “autoridades policiais não tiveram, em nenhum momento, acesso às conversas mantidas entre os pacientes e o executor do crime“, o que diferencia a situação de 2004 da que é hoje tema da repercussão geral, quando ao que tudo indica, a autoridade policial teria acessado fotografias e histórico de chamadas do celular.

“Com a capacidade de armazenamento dos atuais aparelhos de celular, como se pode garantir que não foram acessadas comunicações de mensagens instantâneas? O que, de fato, foi acessado: dado ou fluxo de comunicação? Impossível responder”, pontuam Leonardo e Gabriela.

“Ao longo dos anos, com a evolução da interpretação do tema, os precedentes do Superior Tribunal de Justiça, dos tribunais estaduais e internacionais (Riley vs. California – EUA) estão se moldando no sentido de que o acesso aos dados do celular e conteúdo de aplicativos, sem ordem judicial, configura devassa indiscriminada e, consequentemente, violação à intimidade do agente, o que acarreta a ilicitude da prova”, argumentam os autores do artigo.

Eles acreditam que, em função da repercussão geral, não se pode desprezar os severos impactos na sociedade de uma decisão do STF que retirasse a reserva de jurisdição para acesso de conteúdo armazenado em smartphone: “Com uma avaliação menos cândida e mais realista da dinâmica de funcionamento das investigações e abordagens policiais no Brasil, seria uma missão singela imaginar as possíveis arbitrariedades que ocorreriam justamente com a camada mais vulnerável da população brasileira, que poderia passar por incontáveis situações de abuso e violência estatal, com legitimação transversa da Suprema Corte”.

Assim, em função das inovações tecnológicas e do comportamento social dos usuários de smartphones, ambos defendem “uma interpretação mais ampla e proporcional às garantias constitucionais da intimidade, privacidade e dignidade da pessoa humana, sob pena do utilitarismo judicial gerar um superdimensionamento da vigilância estatal, com consequentes excessos policialescos”.

Fonte: Conjur

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