O Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) propôs minuta de portaria que visa regulamentar o procedimento de tombamento constitucional de documentos e sítios detentores de reminiscências históricas dos antigos quilombos. A proposta foi apresentada no dia 1º de agosto, em reunião interministerial, que contou com a presença da ministra da Cultura, Margareth Menezes, e do presidente do Iphan, Leandro Grass.
A portaria busca criar um mecanismo de tombamento distinto desses bens – mais célere e simplificado do que o chamado “tombamento administrativo”, que é instruído pelo Decreto-Lei no 25, de 1937 – ao recuperar uma ideia que já estava presente no texto da Constituição Federal desde 1988. Mas que, devido a uma história de negligência e racismo institucional do Estado brasileiro, ainda não foi concretizada.
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Segundo a coordenadora-geral de identificação e reconhecimento do Depam, Vanessa Maria Pereira, os próximos passos serão receber contribuições ao texto desses e de outros órgãos interessados – incluindo, ainda, o Ministério dos Direitos Humanos –, submeter a proposta a uma consulta pública aberta a toda a sociedade e, se tudo correr como planejado, ver a Portaria ser publicada no Diário Oficial da União no dia 20 de novembro, Dia Nacional de Zumbi e da Consciência Negra.
A portaria se fundamenta no parágrafo 5o do Artigo 216 da Constituição Federal, segundo o qual “ficam tombados todos os documentos e os sítios detentores de reminiscências históricas dos antigos quilombos”. De acordo com o historiador e arquiteto Raul Maravalhas, da Coordenação-Geral de Identificação e Reconhecimento do Depam, por muito tempo, vigorou o entendimento oficial de que o tombamento de quilombos só seria aplicável a sítios onde fossem encontrados vestígios materiais de extintas ocupações quilombolas e a quilombos que houvessem existido apenas até a Lei Áurea, em 1988. Na prática, tratava-se de um “marco temporal” que deixava de fora quilombos ativos. “Entendemos que não é opção dos órgãos patrimoniais reconhecer ou não quilombos como patrimônio; é apenas fazer valer o que está escrito na Constituição”, pontuou Maravalhas.
Tombamento Constitucional
Segundo Vanessa Maria Pereira, a expectativa é que o novo instrumento seja uma alternativa para os 17 quilombos que ainda esperam o tombamento desde a década de 1990 – cujos processos chegaram a ser indeferidos pela última gestão do Iphan e só agora estão sendo reavaliados, como prioridade –, além de multiplicar o número de solicitações por outras comunidades pelo Brasil, que conta com 1,32 milhão de quilombolas residentes em 1.696 municípios, de acordo com o último Censo.
O motivo para isso, explica a procuradora federal do Iphan, Mariana Karan, que ofereceu consultoria jurídica à equipe do Depam na elaboração da minuta, é o fato de que o novo modelo dispensa a maior parte dos trâmites burocráticos envolvidos no procedimento tradicional de tombamento segundo o Decreto-Lei. “No caso do tombamento constitucional, não existe análise de valoração de um bem que já está reconhecido como patrimônio desde a Constituição. Não é preciso passar por um conselho consultivo. Ao Iphan, cabe apenas um ato de natureza declaratória: verificar se alguns requisitos foram atendidos e fazer o reconhecimento automático da Constituição”, diz a procuradora.
Para o procurador federal e estudioso de políticas patrimoniais voltadas para as comunidades quilombolas Paulo Fernando Soares Pereira, que acompanhou a reunião de apresentação da minuta de portaria, a proposta se opõe a “uma tradição brasileira de prestigiar apenas o que tem viés europeu” nos processos de tombamento, como igrejas, casas de representantes da elite e outros bens. “Isso vem de um discurso que pressupõe que negros, e também indígenas, não teriam legado patrimonialidades à narrativa da construção da identidade nacional”, afirmou o procurador.
Com informações de gov.br