Juristas ibero-americanos estudam justiça territorial usando IDEs

Justiça territorial
Alexandra Aragão (arquivo pessoal)

Um grupo liderado pela Universidade de Coimbra, em Portugal, e formado por universidades e empresas ibero-americanas está estudando justiça territorial para evitar situações de problemas sociais e ambientais. O projeto Justiça, Sustentabilidade e Território através de Sistemas de Infraestruturas de Dados Espaciais (JUST-Side) é liderado por Alexandra Aragão, professora de Direito Ambiental e pesquisadora da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra (FDUC).

Em entrevista ao Geocracia, Alexandra diz que o projeto é inovador ao unir diversas disciplinas: “Direito, ciência política e ciências sociais, ciências geográficas, estatística e informática associam-se para produzir conhecimento transformador sobre a organização da sociedade, a ocupação do território, o funcionamento da economia”.

Leia, a seguir, a entrevista completa.

O que é o projeto JUST-Side? Quantas instituições participam e qual é sua importância para o Instituto Jurídico da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra?

JUST-Side é uma rede internacional de centros de pesquisa acadêmica, associações sem fins lucrativos e empresas especializadas que se dedicam ao estudo da justiça territorial. A originalidade desse estudo é o fato de ele ser feito desde uma perspectiva profundamente interdisciplinar: direito, ciência política e ciências sociais, ciências geográficas, estatística e informática associam-se para produzir conhecimento transformador sobre a organização da sociedade, a ocupação do território, o funcionamento da economia. O conhecimento produzido alimenta, então, as políticas públicas de forma a maximizar com precisão os recursos afetados à correção das injustiças identificadas.

Na rede JUST Side participam atualmente 14 instituições de 10 países do espaço Ibero-americano, incluindo Argentina, Brasil, Chile, Colômbia, Costa Rica, Cuba, Espanha, México, Portugal e Uruguai.

O Instituto Jurídico (IJ) da FDUC é o centro de pesquisa que tem a responsabilidade de coordenar a Rede, em Portugal. Os resultados dos estudos realizados no âmbito da Rede têm um interesse fundamental para uma das áreas de pesquisa do IJ a de Crises, Sustentabilidade e Cidadanias. Por quê? Porque a JUST-Side representa uma visão diferente da justiça social, que não olha apenas os vulneráveis, mas também o território, propondo, a partir daí, estratégias jurídicas de correção cirúrgica das injustiças. Porque a escassez dos recursos não permite melhorar as condições de vida de todos aqueles que, por razões variadas (raça, etnia, doença, idade, hipossuficiência, nacionalidade, baixa escolaridade e outras), têm uma posição social desfavorecida. As ferramentas de diagnóstico social desenvolvidas no âmbito de Rede reforçam a eficácia das políticas públicas, protegendo os cidadãos, ultrapassando as crises ambientais e ecológicas e promovendo as dimensões fundamentais da sustentabilidade social, ambiental e econômica.

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Que eventos e obras que o JUST-Side já produziu?

A Rede tem organizado encontros anuais, em formato presencial ou virtual, nos quais os parceiros da apresentam comunicações que refletem o avanço da pesquisa e os casos concretos estudados. Dessas reuniões resultam publicações coletivas como artigos científicos publicados em revista da especialidade ou publicações coletivas de maior extensão como As Infraestruturas de Dados Espaciais e Outras Ferramentas de Apoio a uma Decisão Justa (2018) ou Sistemas Sociais Complexos e Integração de Geodados no Direito (2019).

Em 2022, está em curso a publicação de novas obras em língua inglesa.

O JUST-Side tem conseguido cumprir seu duplo objetivo, de identificar problemas relacionados às injustiças territoriais e disponibilizar uma solução de software de código aberto para os governos, permitindo que eles possam corrigir desequilíbrios facilmente e com políticas apropriadas? De qual forma?

A rede JUST-Side tem conseguido amplos progressos por meio de ações de formação e treinamento expressamente orientadas para levar os conceitos e as metodologias apuradas ao conhecimento dos atores sociais, dos decisores públicos e privados e dos operadores jurídicos e judiciais.

Ainda em 2022, está prevista a disponibilização de um curso online bilíngue sobre justiça territorial (em 10 lições), que visa a transmitir as bases necessárias à utilização de ferramentas de geomática em código aberto para fins de aperfeiçoamento das políticas públicas a partir do conceito de justiça territorial.

Entre as iniciativas realizadas por diversos países, já é possível apontar jurisprudências onde houve o uso de infraestrutura de dados espaciais para a obtenção de justiça territorial em decisões judiciais?

Sim. Apenas para dar dois exemplos que nos são mais próximos, na Espanha, tribunais superiores proferiram decisões relativas a atividades prejudiciais à conservação da natureza com base em visualizadores europeus ou nacionais da Rede Natura 2000 e de outros espaços de conservação da natureza.

Em 2021, em Portugal, um caso do Supremo Tribunal fundamentou em informação geográfica avançada, uma decisão favorável à realização da justiça territorial a propósito da transferência de estabelecimentos comerciais específicos entre concelhos limítrofes.

O que um estudante de Direito ou profissional que trabalhe com áreas científicas intensivas em território podem fazer para participar e/ou contribuir com a iniciativa?

Neste momento, podem participar do concurso destinado a escolher o melhor trabalho de pesquisa sobre justiça territorial de qualquer perspectiva, disciplinar ou interdisciplinar. Os trabalhos escolhidos serão objeto de uma publicação internacional.

No futuro, quem tiver uma proposta de evento que possa ser enquadrado dentro dos temas abordados pelos parceiros da Rede poderá propor a sua realização. Em termos muito concretos, são particularmente adequados à visão do JUST-Side aqueles projetos que tenham foco na justiça territorial. Essa justiça é entendida como a coincidência, no mesmo território, por um lado, de danos ou incômodos ambientais originados em atividades humanas emissoras; por outro, de populações que possam considerar-se socialmente vulneráveis pelos motivos raciais, étnicos, de saúde, econômicos, etários, ou outros, tal como explicado anteriormente.

Além das Infraestruturas de Dados Espaciais (IDE) para as injustiças territoriais, outros temas próximos podem igualmente ser de interesse e enquadradas nas atividades da Rede. É o caso dos usos jurídicos (administrativos e judiciais) da informação espacial de imagens de satélite. Por ex., no próximo dia 15 de junho, será realizada nos Açores uma conferência em formato híbrido organizada conjuntamente pela iniciativa UCSpace e o Instituto Jurídico da Universidade de Coimbra intitulada Ver a Terra a partir do Espaço: possibilidades técnicas e admissibilidade jurídica da utilização de imagens de satélite para fins jurídicos e judiciais. Esta conferência contará com a participação de juristas, juízes e especialistas das ciências espaciais e destina-se a explorar todas as possibilidades de utilização de imagens de satélite para diferentes fins de relevância social e jurídica.

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