Junto com uma indiana e uma americana, a jovem geógrafa brasileira Karina Berbert Bruno conquistou o Prêmio Youth4Climate, concedido pela Unoosa, escritório da ONU para assuntos do espaço sideral, a pesquisas que utilizam dados e ferramentas espaciais para mitigar mudanças climáticas. Mestranda na Unicamp e analista de Geoprocessamento e Sensoriamento Remoto na Deutsche Gesellschaft für Internationale Zusammenarbeit (GIZ), Karina apresentou um trabalho que apresenta o TerraClass, da Embrapa, como exemplo de ferramenta capaz de mitigar mudanças climáticas no bioma do Cerrado. Em entrevista ao Geocracia, ela fala sobre seu projeto e sobre a importância do uso de plataformas georreferenciadas para a sociedade: “Acredito que plataformas de informações e fornecimentos de dados espaciais como o TerraClass são de extrema importância para o desenvolvimento de pesquisas, projetos e políticas públicas no Brasil, hoje”.
Como ferramentas espaciais podem contribuir para mitigar a supressão vegetal no país?
As ferramentas espaciais como satélites e sensores são hoje importantes fontes de informações fidedignas sobre a dinâmica de uso e ocupação das terras, em muitas regiões do globo que se queira analisar. O produto mais comumente utilizado e que tem fornecido grandes avanços para monitoramento das áreas de florestas, por exemplo, são as imagens de satélite. Hoje temos imagens de satélite disponíveis que são capazes de atender os mais diferentes critérios para se observar, quantificar e qualificar o que acontece no solo terrestre. Elas podem apresentar informações que variam de acordo com um tempo específico, características como índices de vegetação e essas informações podem ser combinadas com diversos outros dados sobre atmosfera e corpos hídricos por exemplo, tudo isso contido em imagens de satélite. Portanto, a partir do momento em que se torna possível acessar a informação sobre a dinâmica de uso e ocupação da terra, através de imagens de satélites, as quais são disponibilizadas em períodos de tempo que permitem o monitoramento atualizado desta dinâmica, nós temos como investigar e monitorar ações antrópicas como desmatamentos, avanço de fronteiras agrícolas, ocupações em áreas de preservação e também eventos naturais como queimadas e assim por diante.
O ponto mais importante, porém, reside no fato de como, por quem e para quê estas informações são utilizadas. Hoje, diversas iniciativas se propõem a utilizarem esses dados para fornecer produtos como mapeamentos de uso e cobertura da terra, desmatamentos e queimadas. Para realmente contribuir para a mitigação da supressão de florestas e áreas de vegetação importantes no Brasil, se faz necessário utilizar esses dados como base de orientação para políticas públicas ambientais, sociais e econômicas, direcionando recursos para promover a recuperação e reflorestamento de áreas desmatadas e degradadas, ações eficazes e direcionadas em casos de eventos naturais como queimadas, planejamentos de uso e ocupação em áreas de expansão agrícola e assim por diante. A principal contribuição das ferramentas espaciais é fornecer a informação fidedigna e confiável aos tomadores de decisão, para que possam utilizar os recursos financeiros, naturais e sociais da melhor maneira possível para que possam promover a preservação das florestas e áreas naturais brasileiras.
Em seu essay, como o enquadramento da questão social pode ser usado para, ao mesmo tempo, fomentar a resiliência de produtores locais e garantir o acesso a dados espaciais?
O projeto utilizado como exemplo no essay da Space4Youth Competition é o TerraClass, financiado pelo Banco Mundial, executado pela Deutsche Gesellschaft für Internationale Zusammenarbeit (GIZ) e implementado pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE/MCTIC) e pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA). No TerraClass, a questão social se enquadra principalmente em um projeto de maior abrangência chamado Projeto FIP – Paisagens Rurais, que tem como objetivo principal fortalecer a implementação de práticas agrícolas de conservação ambiental, restauração e emissão de baixas emissões de carbono em bacias hidrográficas escolhidas dentro do bioma Cerrado – são bacias que apresentam concentração de práticas pecuárias. Para isso, são selecionados produtores rurais que estão localizados nessas bacias e o projeto tem várias frentes de atuação lideradas por sub-projetos, que atuam em conjunto com esses produtores. Então, existem equipes que fazem o suporte técnico para esses produtores, repassando tecnologias e práticas de manejo e produção de baixo carbono, outras equipes cuidam do reflorestamento e recuperação de áreas degradadas dentro dessas propriedades rurais e assim por diante.
O TerraClass entra na parte de monitoramento do uso e ocupação dessas bacias (um nível de mapeamento mais detalhado), que começará neste ano de 2021. Além disso, o mapeamento de 2018 e os mapeamentos futuros permitirão fornecer uma análise de dinâmica da paisagem nas áreas em que foram aplicadas as ações do projeto FIP Paisagens Rurais – ou seja, o TerraClass dará uma análise de retorno do resultado das ações promovidas pelo projeto FIP diretamente na paisagem, respondendo se houve mudanças significativas como restauração e preservação das áreas abordadas. Dessa forma, existe uma interação entre a questão social dos produtores, suas dificuldades e problemas enfrentados para uma produção sustentável e o auxílio provindo do Projeto FIP para superar e alterar essa situação, o qual tem dentro de seu plano de execução os produtos fornecidos pelo TerraClass.
No seu trabalho, você utiliza o Projeto TerraClass – voltado para o acompanhamento da evolução de biomas e o monitoramento do uso da terra – como exemplo de ferramenta capaz de promover a mitigação dos efeitos das mudanças climáticas. Como avalia esse tipo de plataforma?
Acredito que plataformas de informações e fornecimentos de dados espaciais como o TerraClass são de extrema importância para o desenvolvimento de pesquisas, projetos e políticas públicas no Brasil, hoje. O Projeto TerraClass se baseia em dados e metodologias consolidadas, resultando em um produto de extrema qualidade de informação para a compreensão da dinâmica de paisagem e de uso e ocupação da terra nos biomas do Cerrado e da Amazônia. Plataformas semelhantes e projetos que desenvolvam esse tipo de pesquisa científica séria são hoje a nossa mais importante ferramenta para enfrentar os desafios que encontramos nas áreas ambientais e climáticas que acontecem no cenário brasileiro.
Como vê o futuro das atividades espaciais, geográficas e territoriais nesse mundo cada vez mais geolocalizado? Como acredita que será o ambiente profissional que irá encontrar daqui a alguns anos?
Acredito que nós, profissionais envolvidos com análises espaciais, teremos que manter nossa perspectiva integrada do mundo, participando e se envolvendo cada vez mais em iniciativas e projetos abrangentes e que tenham impacto em grande escala no meio ambiente e na sociedade. Fatores exclusivamente econômicos de desenvolvimento não devem ditar a nossa área de atuação, isso seria uma contradição com o próprio entendimento de espaço, território e sociedade. Não existem áreas completamente isoladas no mundo em que vivemos e o todo faz a diferença e exerce influência no local. Devemos nos manter com uma visão e atuação integrada entre ambiente e sociedade e devemos nos dedicar para que essa interação e comunicação se mantenha.
A previsão que vislumbro para o nosso ambiente profissional em atividades espaciais, geográficas e territoriais é otimista. Arrisco dizer que será necessário profissionais que entendam e consigam atuar com uma visão holística, sem deixar de considerar aspectos regionais e locais para a elaboração de projetos, ações e políticas públicas. Internacionalmente hoje, esse tipo de abordagem profissional já se encontra em expansão e acredito que será requisito para as atividades futuras, para o desenvolvimento de cidades verdes, economia e produções sustentáveis com o meio ambiente e preservação de direitos sociais e culturais. Acredito e, espero profundamente que esse quadro se concretize.