“Uma vitória e um alívio, após anos assombrados pelo fantasma da revogação da Lei do Georreferenciamento” (10.267/2001). Assim o engenheiro cartógrafo, ex-coordenador de Cartografia do Instituto de Colonização e Reforma Agrária (Incra) e hoje professor e analista do Incra-Bahia, Miguel Neto, reagiu à recente decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que, no fim do ano passado, por unanimidade, rejeitou ação direta de inconstitucionalidade (ADI 4.866) apresentada pela Confederação Nacional da Agricultura (CNA). O STF considerou constitucional a obrigatoriedade de georreferenciamento para fins de registro de propriedades rurais desmembradas, parceladas ou remembradas, de acordo com a Lei dos Registros Públicos (Lei 6.015/73).
Em seu voto, o relator, ministro Gilmar Mendes, valeu-se de argumentos apresentados pela Procuradoria-Geral da República, de que o objetivo principal da certificação é evitar a sobreposição de áreas registradas, que atende tanto o interesse público quanto o dos particulares diretamente envolvidos no negócio jurídico. “O interesse público é atendido porque a obrigatoriedade de georreferenciamento dos imóveis rurais e sua consequente certificação pelo Incra permite combater a grilagem de terras públicas. Além disso, muitos caos de violência no campo têm origem na disputa de terras registradas em duplicidade. Também o interesse dos particulares é contemplado, na medida em que se garante mais segurança jurídica ao ato negocial, evitando-se questionamentos futuros”, descreve o ministro.
“Apenas se valendo de uma ferramenta bastante precisa (o georreferenciamento) é que se pode identificar com clareza os limites do imóvel rural; comparando-se, antes do registro, esses limites com os de outros imóveis (certificação), evita-se conflitos agrários decorrentes da sobreposição de áreas. Os ganhos, em termos de segurança jurídica, para toda a sociedade (e para os próprios interessados no negócio) são maiores do que possíveis prejuízos decorrentes de atrasos no processo registral”, conclui o voto.
Para Bruno Gruppi, “decisão acertada”
Para o advogado e geógrafo e membro efetivo da Comissão da OAB/SP Bruno Drummond Gruppi, a decisão do STF foi acertada, pois entende o georreferenciamento como condicionante prévia ao registro de imóvel rural e uma exigência proporcional e adequada ao objetivo legal: garantir a exata delimitação do imóvel rural, evitando a sobreposição de áreas, resguardando o direito de propriedade de todos os possíveis interessados. “Com isso, o Supremo Tribunal ratificou a importância do georreferenciamento nas propriedades rurais como instrumento de segurança jurídica e também de planejamento estatal, uma vez que o georreferenciamento é a base do Sistema Nacional de Gestão de Informações Territoriais – Sinter”, afirma ao Portal Geocracia o especialista em Direito notarial e registral e em regularização de imóveis rurais.
Leia também:
- Miguel Neto: O Incra também atua com ordenamento territorial
- Carlos Eduardo Elias: “Descrever o imóvel com precisão gera segurança jurídica”
- Andréa Carneiro: “Precisamos organizar o caos cadastral do país”
Na ADI, a CNA afirmava que as normas feriam o direito à propriedade previsto no artigo 5º, inciso XXII, da Constituição Federal, pois a demora para a certificação restringiria desmesuradamente o direito fundamental à propriedade. Falando ao Geocracia, Miguel Neto lembra que, em 2012, quando a CNA questionou a obrigatoriedade do georreferenciamento, “de fato, o Incra vivia um caos nas suas superintendências e havia um passivo de mais de 20 mil processos por analisar e outros 50 mil em análise, além de denúncias de corrupção”. Mas, segundo ele, a ADI serviu de incentivo para que o Incra monta Sistema de Gestão Fundiária (SIGEF) com suas normas e manuais técnicos vigentes até hoje.
“A ADi foi nosso calcanhar de Aquiles, à época, mas foi o grande motivador para a gente buscar uma solução de certa forma rápida e eficiente no tocante à certificação de imóveis rurais”, afirma Miguel, acrescentando que o órgão fez teve sucesso em um trabalho de convencimento, tendo feito várias defesas junto ao Supremo e ao Congresso Nacional para mostrar que o que estava sendo desenvolvido atendia a demanda do segmento: “Até porque o governo federal entende que o tamanho desse serviço é quase do tamanho do que o agronegócio produz”.
Miguel cita que a maioria dos produtores trabalha com custeio e crédito junto às instituições bancárias e que todos os bancos pedem garantias para oferecer esses serviços. E, entre as principais garantias, está justamente a certificação georreferenciada do imóvel e seu registro junto aos cartórios: “Isso traz uma segurança definitiva. Muito embora o SIGEF esteja dando certo, a gente vinha trabalhando com esse fantasma da ADI desde 2012. Graças a Deus isso foi concluído de forma positiva para o Brasil como um todo. É um alívio acabar a possibilidade de revogação da Lei do Georreferenciamento”.
Na esteira dessa vitória, Miguel Neto diz que o governo precisa se antecipar e ampliar o serviço de georreferenciamento para outras relações jurídicas de imóveis rurais. “A gente precisa ter um retrato fiel e o mais preciso possível do território rural brasileiro, que hoje não temos. Precisamos mapear todas essas propriedades. Isso mais vai dar ainda mais segurança, gerar um cadastro mais eficiente e uma tomada de decisão em todas as instâncias (federal, estadual, municipal) mais assertiva.