Juristas, pesquisadores, jornalistas e outros especialistas estão divergindo em relação à aplicação da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD) aos dados dos candidatos nas eleições deste ano. Enquanto alguns defendem que isso só seja mantido público durante o pleito, outros acreditam que as informações referem-se a figuras públicas e que, portanto, devem continuar acessíveis após as eleições, mesmo que o candidato saia derrotado. O debate dominou a audiência pública realizada pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) na semana passada para discutir os impactos da LGPD nos processos de registro de candidatura. Os participantes também deram sugestões sobre o acesso a certidões criminais no âmbito da LGPD.
O evento, disponível no pelo canal do TSE no YouTube, foi conduzido pelo presidente do TSE, ministro Edson Fachin, e tratou do desafio da Justiça Eleitoral, como gestora de grandes bancos de dados, equilibrar as medidas de transparência relacionadas ao processo de registro de candidatura com a preservação da privacidade de candidatos. A discussão gira em torno de eventuais ajustes na plataforma DivulgaCandContas e no sistema Processo Judicial Eletrônico (PJe) para limitar a divulgação do trâmite dos registros de candidatura e de Demonstrativo de Regularidade de Atos Partidários (DRAP).
Para o pesquisador Daniel Falcão, por exemplo, os dados pessoais podem ter tratamento distinto no contexto eleitoral e ajustes precisam ser feitos nos sistemas do TSE para restringir o acesso a documentos de identificação pessoal de candidatas e candidatos.
Representando a Procuradoria-Geral de República (PGR), o promotor de justiça Edson Resende também acredita que não há necessidade de que todas as informações permaneçam públicas após as eleições. A mesma posição tem a advogada Patrícia Peck, do Conselho Nacional de Proteção de Dados, chamando a atenção que, quanto mais tempo os dados ficam expostos, maior a probabilidade de serem utilizados de forma não autorizada. “A transparência deve prevalecer, mas em obediência aos princípios de privacidade”, disse, defendendo que haja um “controle das autoridades públicas para o acesso a informações como registros criminais, que podem ter grande impacto nas liberdades individuais e possível tratamento discriminatório”.
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Já a jornalista Kátia Brembatti, do Fórum De Direito de Acesso a Informações Públicas, alerta que uma eventual limitação aos dados de postulantes a cargos eletivos representaria um retrocesso aos avanços obtidos a partir da Lei de Acesso à Informação (LAI). “Quem se candidata vira uma pessoa pública, sujeita ao escrutínio social”, declarou.
Para o representante da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (Abradep), Luiz Pujol, os dados públicos incluídos pelos candidatos no DivulgaCandContas no momento da filiação e disponibilizados pela Justiça Eleitoral devem sim possibilitar acesso geral e irrestrito. Segundo ele, essas informações são públicas e devem ser disponibilizadas para o crivo do eleitor.
A mesma opinião tem Maria Iemini, que representou a Transparência Brasil. Ela diz concordar com a exposição dos dados públicos e com o acesso às certidões criminais por qualquer cidadão, mas manifesta preocupação quanto à divulgação de dados mais sensíveis dos candidatos, a fim de proteger sua integridade.
As representantes do Fórum de Direito de Acesso a Informações Públicas, Katia Brembatti, e do Open Knowledge Brasil, Fernanda Campagnutti, também acreditam ser importante manter informações sobre candidatos de forma constante e transparente. Segundo elas, a preservação desses dados abertos fortalece o papel da Justiça Eleitoral de favorecer a transparência das informações de interesse público, como as constantes do repositório de dados eleitorais, um “patrimônio público brasileiro”.
O ministro Fachin disse acreditar que os dois dias de debates “aportarão reais subsídios à tomada de decisão por parte do Colegiado do TSE em referência a pontos de significativa repercussão no processo eleitoral”. Presente à abertura da audiência pública, o vice-presidente do TSE, ministro Alexandre de Moraes, afirmou ter0” absoluta certeza que eventuais ajustes finos na plataforma DivulgaCandContas e no sistema de Processo Judicial Eletrônico serão realizados a partir da conclusão dos estudos aqui realizados”.
Participam ainda do evento representantes da Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD), da Ouvidoria do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), do Instituto Brasileiro de Direito Eleitoral (Ibrade), do Data Privacy Brasil, do InternetLab, do Fórum de Direito de Acesso a Informações Públicas, dos partidos políticos com representação no Congresso Nacional, do Ministério Público Eleitoral (MPE) e do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).
Fonte: TSE