Em artigo para o Estadão, esta semana, Rubens de Almeida e Eduardo de Rezende Francisco, respectivamente, mestrando em Gestão e Políticas Públicas e professor de GeoAnalytics e Data Science, alertam que a LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados) está sendo usado por agentes públicos do governo federal para impedir acesso a dados de registros públicos em áreas como educação, trabalho e saúde.
“As atitudes parecem localizadas, mas têm potencial de se tornarem padrão no atendimento a solicitações de pesquisadores, cientistas de dados, instituições sociais e até de outros órgãos públicos”, afirma o artigo, chamando a atenção para interpretações ‘enviesadas’ da LGPD. Segundo essas interpretações, os microdados fornecidos poderiam identificar indivíduos. Em tese, isso justificaria o não repasse das informações para proteger dados pessoais dos cidadãos.
Os autores citam parecer da Procuradoria-Geral da República com a “afirmação de que a identificação do indivíduo seria possível se a listagem dos dados contivesse três elementos, como ‘dia e ano de nascimento e código do curso’ que estudantes estivessem fazendo, por exemplo. O índice de identificação chegaria a surpreendentes 80% se acrescentássemos o mês de nascimento!”
Rubens e Eduardo, no entanto, afirmam que isso não importa para a LGPD, pois a lei prevê, em seu artigo 4º, exceções de sua aplicação, nos casos tratamento de dados pessoais (I) por pessoa natural para fins exclusivamente particulares e não econômicos e (II) para fins exclusivamente jornalístico, artístico ou acadêmico – aplicando-se, nesta última finalidade, os artigos 7º e 11º, que destacam a óbvia necessidade de realização de estudos pela administração pública e por órgãos de pesquisa, que devem buscar, “sempre que possível, a anonimização dos dados pessoais sensíveis”.
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“A LGPD teve o cuidado de expressamente definir os estudos científicos e governamentais como exceções, por serem, em princípio, interessados em compreender o universo de dados para inspirar leituras sociais relevantes pelos pesquisadores. Isso é absolutamente óbvio para quem trabalha com dados, mas não parece ser para os procuradores da república, cuja formação é mais próxima das questões jurídicas”, afirmam.
Deputada quer alterar LGPD para impedir atitudes como essa
A mesma preocupação tem a deputada federal Adriana Ventura que apresentou o Projeto de Lei nº 3101/2021 para incluir como fundamento da LGPD a garantia de acesso a informações públicas, em especial relativa a agentes públicos no exercício de suas funções. Em recente entrevista ao Geocracia, ela diz que a LGPD deve ser uma ferramenta de defesa dos direitos fundamentais de liberdade, de privacidade e do livre desenvolvimento da personalidade da pessoa natural, “e não instrumento de retrocesso”.
Para Rubens e Eduardo, o acesso a todos os dados, mesmo que não anonimizados, é garantido expressamente pela Lei, pois supõe que pesquisadores e agentes públicos estejam envolvidos em investigações que não possuem quaisquer interesses nos dados individualizados, mas em sua representatividade como fenômeno social: “A menos que, por absurdo, o país tenha começado a desconfiar de seus cientistas, transformando-os todos em potenciais emissores de malas-diretas inconvenientes, sequestradores contumazes ou vendedores de dados pessoais a terceiros”, ressaltam os autores.
Para eles, a LGPD não pode impedir o Estado de cumprir com as suas funções normativas e de estabelecimento de prioridades para seus investimentos, até porque os registros públicos são realizados por seus agentes, exatamente para orientar a leitura de necessidades, organizar a vida comunitária, promover a identidade nacional e transformar os indivíduos em cidadãos. “No limite, se aceitarmos essa visão distorcida e persecutória, é possível que os representantes do Ministério Público venham até a questionar a realização do Censo Demográfico, pela absurda razão de que os dados coletados são sensíveis e podem levar à identificação de pessoas”, alertam.
Fonte: Estadão