Luiz Ugeda: 20 anos sem Milton Santos, o maior geojurista de todos

Imagem: site Milton Santos

Mark Twain dizia que, para cabeça de martelo, tudo é prego. A Geografia passou diversos séculos sendo tratada como uma primazia da engenharia. Eram mapas, dados, medidas e precisões descritas e valorosamente pormenorizadas. Essa lógica é rompida por Sir John Snow, em 1854, médico que criou o primeiro sistema de informação geográfica por ocasião do surto de cólera, em Londres.

Mais do que criar um embrião do GPS, ou mesmo um método para fundamentar o georreferenciamento da covid-19, deve ser creditado ao Dr. Snow ter emancipado a Geografia dos domínios da Engenharia. Mostrou ainda que o tema ia muito além da geometria e da matemática, provando que a Geografia deveria se acostumar com o que não pode ser precisado em números: educação, segurança, lazer, cultura, saúde.

Ah, a saúde! Josué de Castro, nosso maior geógrafo não-geógrafo, tão médico quanto John Snow, a inspiração central dos homens-caranguejos de Chico Science, autor da Geografia da Fome, se perpetua cada vez mais atual. Ele também ousou dizer ao martelo que nem tudo é prego. Se há uma Geografia que se mede – a Física; há a Geografia que não se mede, a Humana. E ela não é menos importante. Precisamos cuidar de nós tanto quanto cuidamos da natureza.

Milton levou Josué ao estado da arte. Consciente ou não, sua construção coroa todo um pensamento nacional para a resolução de conflitos com base geoinformacional, tema tão lapidado por Alexandre de Gusmão e o Barão do Rio Branco, dois gênios jurídicos de conhecimento geo e que construíram o Brasil como ele é. Longe de ter o mesmo berço aristocrático, o afrodescendente Milton é fruto da teimosia dos brasileiros que ainda acreditam que a meritocracia – mesmo em bases desiguais, o que impõe um trabalho árduo adicional – é um caminho válido.

Obrigado, Milton, o jurista que virou geógrafo, tornou-se nosso patrono e mostrou que nem sempre a Geografia se mede. Um exemplo que jamais deve ser esquecido. O martelo também retira pregos do caminho. Mais do que fazer a guerra, a Geografia serve para mediar a paz. Que consigamos seguir essa longeva tradição nacional.

Luiz Ugeda é CEO da Geodireito, diretor executivo do Portal Geocracia e presidente da Comissão Especial de Geodireito da OAB/SP.

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