Segundo estudo do Mapbiomas divulgado esta semana, mais da metade (51%) da área destinada ao garimpo de ouro no país estava em regiões ilegais em 2020, ou por falta de título de exploração ou por ausência de autorização. O trabalho cruzou informações do Mapbiomas com números da própria Agência Nacional de Mineração (ANM).
A entidade, uma rede colaborativa entre ONGs, universidades e startups de tecnologia, afirma que, nos últimos anos, o Brasil sofre com o aumento do garimpo ilegal. Quase metade (45%) da expansão verificada entre 2019 e 2020 ocorreu em territórios sem autorização, como Terras Indígenas (TIs) e Unidades de Conservação (UCs).
Na década de 2010 a 2020, a expansão do garimpo foi de 62,5 mil hectares, 1.800 deles de 2019 a 2020. Já a mineração industrial cresceu apenas 1,5 mil hectares, no mesmo período. O pesquisador de geoprocessamento do Centro de Inteligência Territorial e autor do estudo, Bruno Antônio Manzolli, analisou as áreas de garimpo identificadas nos processos minerários (PMs) citados na Contribuição Financeira pela Exploração de Recursos Minerais (CFEM), uma taxa paga à União.
Leia também:
- MapBiomas faz na Indonésia sua primeira iniciativa fora da América do Sul
- Natura e MapBiomas criam plataforma para monitorar Amazônia
- MapBiomas: desde 1985, Brasil queima, em média, uma Inglaterra por ano
De acordo com os dados de monitoramento de satélite e algoritmos de classificação do uso do solo elaborados pelo Mapbiomas, em 2020, havia 97,8 mil hectares de área de extração de ouro (5,5 mil hectares de mineração industrial e 92,3 mil hectares de garimpo). A pesquisa sobrepôs esse mapa aos PMs autorizados no ano anterior e identificou correspondência em apenas 48,9% (45.159 hectares) dos territórios. Ou seja, 51,1% da área de garimpo ocorreu em lugares não autorizados, como Terras Indígenas, Unidades de Conservação de Proteção Integral e locais sem o título de lavra garimpeira vigente.
E, mesmo dentro das áreas de garimpo identificadas como legalizadas, em apenas 12.366 hectares (13,9% do total), foi feito o registro da origem do ouro. Ou seja, além de metade da área explorada não possuir sequer autorização, nas terras autorizadas, o minerador não faz o devido registro da origem do ouro, dificultando ainda mais a transparência e o controle da atividade.
Para Bruno Manzolli, as soluções passam por priorizar a informatização do sistema e a conexão de dados entre ANM, Banco Central e Receita Federal, a quem cabe fiscalizar os compradores do ouro: “A gente sabe que não existe controle estatal porque esses simples cruzamentos de dados já mostram. É fácil encontrar as irregularidades. Graças à fragilidade da legislação na forma de garantir a origem do ouro extraído em garimpos, as frentes de lavra ilegais se expandem pelo território nacional, aproveitando do sucateamento dos órgãos ambientais como o Ibama, ICMBio e a própria ANM”.
Entre os anos de 2010 e 2019, foram mais de 39 mil registros de recolhimento da CFEM, indicando a produção de 737 toneladas de ouro no período mencionado. As maiores participações foram dos estados de Minas Gerais, Mato Grosso, Pará e Bahia, com 48%, 14%, 11% e 10% na quantidade produzida, respectivamente. Das 1.615 autorizações, 692 processos podem não ter iniciado a exploração dentro do prazo estipulado, de 90 dias após a publicação do título, o que pode ser um sinal de tentativa de esquentar o ouro ilegal.
O estudo mostra que a quase totalidade da mineração ilegal em Terras Indígenas é de ouro. Recentemente o governo federal enviou um projeto de lei para regulamentar a mineração nas TIs, mas Manzolli é contra esse caminho: “A aprovação do PL 191/2020 pode acarretar uma nova corrida do ouro dentro das Terras Indígenas, em busca pela primazia na exploração, e anistiar aqueles que já realizavam a exploração antes da regulamentação da mineração nesses territórios. O cerne da discussão deveria ser a elaboração de medidas de controle e fiscalização entre agências governamentais como ANM, IBAMA, ICMBio, Receita Federal e Polícia Federal em prol de mitigar os prejuízos socioambientais da exploração ilegal no país”.
Fonte: O Globo