Monitoramento ambiental e energético podem ser feitos com geoinformação

monitoramento ambiental
Segundo Artur Damasceno, fundador da Carbon Credit Markets, além do monitoramento ambiental, sistemas de geoinformação podem ajudar a avaliar potencial emergético – foto: Bob Geertzema

Especialista e consultor em créditos de carbono na Carbon Credit Markets, site criado por ele em 2004, Artur Damasceno acredita que sistemas de mapeamento e geoinformação não são apenas úteis na gestão desse mecanismo de sinalização econômico-financeira, mas também no monitoramento ambiental e até na avaliação do potencial energético. Em entrevista à Agência Geocracia, Damasceno diz que as maiores vantagens de ferramentas geo são transparência, uso responsável dos dados e cidadania: “Além disso, entendo que sejam informações bem pragmáticas e, portanto, ótimas para monitoramento ambiental das áreas de preservação, de cultivo, de uso do solo e água, de projetos industriais. Também podem ajudar na avaliação de potenciais, a partir das imagens de satélite. Não apenas potenciais de créditos de carbono, mas também de energia solar e eólica”.

Damasceno, que se mostra um pouco cético em relação aos resultados práticos da recente COP27, vê com bons olhos a proposta de Brasil, Indonésia e República do Congo de criarem uma espécie de ‘OPEP das Florestas’.

Acompanhe a entrevista na íntegra, a seguir.

Os créditos de carbono têm inúmeras vantagens para a preservação do planeta usando uma sinalização econômico-financeira. Qual o atual estágio dessa discussão no Brasil e no mundo?

Entendo os créditos de carbono como uma forma de ‘filantropia ambiental’ e um ‘driver‘ de engajamento. Os certificados de créditos de carbono – de redução de emissões – são originados basicamente a partir de três tipos de projetos: a) manutenção da vegetação florestal, b) aumento da vegetação florestal ou captura carbono e c) projetos de eficiência energética. Antes dos certificados serem emitidos, os projetos são auditados e registrados para verificações prévias. Se tudo estiver ok, os certificados são emitidos e podem ser comprados por empresas que buscam o ‘offset’ de suas emissões, idealmente a parte residual. Ou seja, empresas que já realizaram seus inventários de carbono e descarbonizaram o possível, restando apenas um resíduo de emissões a compensar. Apesar da origem dos créditos de carbono ter sido em 1997 com o Protocolo de Kyoto, passando pelo Acordo de Paris de 2015 e pela COP26 de 2021, a primeira vez que ouvi falar sobre créditos de carbono foi em 2004, quando ainda morava na Holanda. À época, lembro de empresas como KLM e Volkswagen que passaram a vender créditos de carbono para clientes que voluntariamente quisessem “neutralizar” emissões, quando consumissem produtos e serviços daquelas empresas. No Brasil, o assunto ainda parece estar na mão de pioneiros e visionários. Mas isso está mudando rapidamente. Ainda mais agora, com a COP27. 

Leia também:

E, por falar em COP27, o que esperar de resultados práticos?

Difícil dizer, considerando a conjuntura atual: crises geopolíticas pós-pandemia com ‘repique’ na China, pressão inflacionária global, questão energética europeia, aceleração da própria mudança climática. A questão é saber quanto espaço existe para  consenso entre os mais de 190 países participantes. E países e empresários ‘competindo para mostrar que seus produtos são mais verdes que os dos competidores’. Além do debate ao redor de temas como o Artigo 6, o preço do carbono, a questão de fronteira dos créditos, loss & damage, energia nuclear etc. Lembra da Greta, a jovem ativista ambiental sueca? Indicou que não irá à COP27. Segundo ela, muito ‘blá, blá, blá’ e ‘greenwashing, lying and cheating‘. Ou seja, percepções diferentes entre ambientalistas e ativistas. Não consigo imaginar com qual grau de praticidade serão os resultados da COP27, mas certamente para uns teremos ‘evoluções’ e, para outros, ‘falta de revolução’.

Há uma discussão sobre o que aconteceria com os créditos de carbono gerados a partir de uma floresta que viesse a se incendiar posteriormente. Como compensar isso? seria uma dupla emissão?

Pois é. Sempre pensei nisso. E foi há pouco tempo que ouvi falar que são feitos buffer pools nos projetos para fins de quaisquer eventualidades. Ou seja, os proprietários de terras armazenam uma certa porcentagem dos créditos de um projeto, como uma ‘reserva extra’ a ser usada para compensar eventuais perdas por incêndios florestais, doenças ou surtos de insetos.

Mas o incêndio não representaria emissões extras onde deveria haver preservação?

Ao que parece, sim, uma dupla emissão. Outro ponto seria se essas quantidades ‘reservadas’ serão suficientes ao longo de toda duração do projeto – de plantio ou preservação – cujos créditos devem se manter por vários anos, décadas. Já houve casos de créditos provenientes de florestas – inclusive em reservas indígenas – que acabaram queimadas, em 2021, nos estados do Oregon e de Washington, nos EUA, afetando os offsets de empresas como a Microsoft, por exemplo. Estudo recente, MSCI Net-Zero Tracker: Buildup para COP27, da MSCI Inc., categorizou a probabilidade de incêndios nas várias regiões da Terra. Entendo isso como ponto de atenção associado, talvez, à questão da água, da umidade do ar, dos ‘rios aéreos’, como refere estudo do prof. Antonio Nobre.

Como sistemas globais de mapeamento e, em especial, uma gestão pública de metadados geoinformacionais podem ajudar na gestão futura de créditos de carbono?

Transparência, uso responsável de dados e cidadania. Além disso, entendo que sejam informações bem pragmáticas e, portanto, ótimas para monitoramento ambiental das áreas de preservação, de cultivo, de uso do solo e água, de projetos industriais. Também podem ajudar na avaliação de potenciais, a partir das imagens de satélite. Não apenas potenciais de créditos de carbono, mas também de energia solar e eólica. Aliás, pântanos e mangues são o tipo de vegetação que mais retém carbono no solo e, portanto, muito importante o monitoramento também desse tipo de área.

Há também a possibilidade de análises dinâmicas, ou seja não apenas na visão ‘de fotos estáticas’. Explico. Comparar fotos do mesmo lugar em épocas diferentes, comparar propriedades, como cada uma enfrentou situações, por exemplo, climáticas.

Políticas municipais ou acompanhar a velocidade da ocupação socio-econômica? Sinergia com inteligência artificial e algoritmos?

Imagino ser possível através de sistemas de geoinformação. Cores do solo, da vegetação, fumaça, semoventes, albedo, a reflectância da Terra, que aliás tem mudado rapidamente com os degelos (branco reflete radiação, ‘esfria’, preto absorve, ‘esquenta’). Por último, a referência que já indiquei na questão dos incêndios florestais. Fiquei impressionado com a análise indicada no ‘MSCI Net-Zero Tracker: Buildup para COP27’ que cruzou diferentes metadados geoinformacionais (Offsets data da BeZero Carbon + Wildfire data da MSCI ESG Research + Referências da Integrity Council for the Voluntary Carbon Market + Artigos na mídia) e produziu um mapa de riscos incrível, muito útil, importante (abaixo), tanto para gestores quanto órgãos de governança privada e pública. Vi essa informações em escala do Mapa Mundi e fiquei pensando no enorme valor da mesma informação a nível de propriedades individuais.

Sistema de geoinformação para monitoramento ambiental prevê risco global de incêndios florestais – reprodução

Como este sistema poderá mudar o mundo no médio prazo? É viável essa espécie de ‘OPEP das florestas’ envolvendo países tão heterogêneos quanto Brasil, Indonésia e República Democrática do Congo?

Depois do presidente Biden ter falado em 22 de abril de 2022, por conta do Earth Day, que ‘deveríamos estar pagando aos brasileiros para eles não cortarem suas florestas’, vimos, no início de outubro, uma reunião Pre-COP27, em Kinshasa (Congo), na qual Brasil, RDC e Indonésia discutiram a formação de um grupo para tratar da precificação do carbono de suas florestas, que representam cerca de 55 % das florestas tropicais do mundo, que entusiasmou ativistas como Oscar Soria e Patricio Lombardi. Vamos ver como isso evolui. 

Aliás, vale lembrar uma frase do Sheik Ahmed Yamani em entrevista à Reuters por conta do 40º aniversário da OPEP, em 2000, quando as energias renováveis estavam em sua infância: “A Idade da Pedra não terminou porque o mundo ficou sem pedra, e a Idade do Petróleo terminará muito antes que o mundo fique sem petróleo.”

Ou seja, pela amplitude do impacto das mudanças climáticas no meio ambiente, levando não apenas a novas fontes energéticas, inovações, revisão das matérias primas, da destinação dos resíduos dos processos do atual estilo de vida humano, entendo que vivemos uma Nova Revolução Industrial. 

Uma revolução industrial diferente de como foi nos séculos XVIII e XIX, que propiciou uma vantagem competitiva espetacular para a Grã-Bretanha, Europa e Estados Unidos. A Nova Revolução Industrial parece ser mais dispersa globalmente e afetar todo Mundo igualmente. E de forma muito acelerada. Quem serão os novos vencedores? Natureza? Tecnologia? Veremos.

Veja também

Não perca as notícias de geoinformação