A ausência de mapas digitais pode representar uma barreira significativa para municípios, principalmente os menores de 20 mil habitantes, dificultando a execução de diversos projetos e processos de regularização de propriedades e territórios.
Para tratar deste tema, conversamos com Renata Denari Elias, profissional interdisciplinar com formação em Engenharia Cartográfica e Direito, além de ser pós-graduada em Perícias de Engenharia e Avaliações de Imóveis pela FAAP, que expõe sobre como o uso de mapas digitais pode ser uma ferramenta indispensável para promover o progresso e a organização territorial nos municípios brasileiros.
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Quais são os desafios enfrentados pelos municípios brasileiros com até 20 mil habitantes na regularização fundiária, especialmente quando não possuem base cartográfica digital?
Minha única experiência profissional em municípios com até 20.000 habitantes foi na cidade de Regente Feijó – SP, no ano de 1.989. Naquela ocasião, recrutei e treinei uma equipe com 20 alunos dos cursos técnicos e colegial da região, que recebiam uma bolsa auxílio por meio período de trabalho. Cadastramos bairros que não constavam na planta cadastral daquele município, inclusive os túmulos do cemitério e ainda atualização cadastral de um distrito, denominado Espigão, apenas com trena, prancheta, lápis, escalímetro e borracha.
Aproveitamos também para realizar um questionário social e econômico, para que a administração municipal, entre outras providências, pudesse estimar quantas pessoas eram portadoras de necessidades especiais e direcionar atendimento para outro município vizinho com mais recursos.
Foi uma “atualização cadastral” em uma cópia heliográfica da base cartográfica existente realizada por levantamento topográfico. Relato esta epopeia apenas para elucidar o valoroso interesse do administrador público. Sabemos que muitos municípios brasileiros não possuem base digital mas, com as tecnologias atualmente disponíveis, a base cartográfica digital é viável. E, ainda, caso não seja para todo o município, que seja apenas para o núcleo urbano a ser regularizado. Hoje o poder executivo não tem desculpas para não contratar base cartográfica digital.
Quais são as soluções caseiras utilizadas por esses municípios para lidar com a falta de base cartográfica digital na regularização fundiária?
É difícil saber como cada município sem base cartográfica digital atua. Existem inúmeras soluções “caseiras”, mas não uso este termo porque os municípios, bem ou mal, tentaram manter a base cartográfica analógica atualizada, principalmente com topografia ângulo e distância em sua maioria, junção das novas plantas dos loteamentos aprovados ou não, que mesmo contra as diretrizes municipais acabavam se implantando, para instruir, principalmente, a arrecadação municipal, sem qualquer recurso digital, simplesmente porque inexistiam.
Atualmente pode-se, por exemplo, levantar todas as plantas disponíveis, escanear, vetorizar, georreferenciar, vários programas gratuitos estão disponíveis para esta finalidade, ir à campo com trena, notebook, prancheta, lápis e borracha e, com certeza, auxílio das imagens do Google Maps / Earth e o próprio celular com o localizador ativado para, por exemplo, registrar a fachada do imóvel e, ainda, criar um Sistema de Informações Geográficas – SIG.
Eu nem gosto de dar estas ideias, muitos procedimentos com pouca precisão. Mas, também, não se pode deixar o município sem muitos recursos ao léu, aquele que mais precisa sem solução alguma, afinal antes de toda essa tecnologia disponível esse serviço hercúleo sempre foi feito.
A qualidade do serviço de atualização da base analógica é diretamente proporcional ao conhecimento técnico e interesse dos funcionários públicos bem como do poder executivo. Consultar um profissional com conhecimento de cartografia, engenheiro cartógrafo e/ou agrimensor, com certeza é a melhor solução.
Como a falta de atualização da base cartográfica digital pode impactar a regularização fundiária em um município? Existe alguma sugestão para lidar com essa situação?
Não se faz Regularização Fundiária Urbana (Reurb) com dados desatualizados, uma vez que não só de titulação vive REURB, existe o estudo jurídico, ambiental, geológico e implantação da infraestrutura, entre outros.
O levantamento topográfico georreferenciado pode auxiliar na atualização da base cartográfica digital dependendo de cada caso. Mas, as empresas que atuam com levantamento aerofotogramétrico com drones e, também, com aeronaves tripuladas, realizam um serviço de atualização da base cartográfica digital. Há uma sobreposição das imagens geradas do novo recobrimento aéreo associado muitas vezes com perfilamento laser com as imagens existentes, identificando aqueles polígonos que tiveram alteração de configuração e altura. Quando já existe base cartográfica digital o procedimento é mais barato e mais célere.
O que é o SIRGAS2000 e qual é o seu papel na referência geodésica no Brasil? Como o uso de outros sistemas pode afetar a consistência e precisão na combinação de bases de dados georreferenciadas?
A sigla SIRGAS significa Sistema de Referência Geocêntrico para as Américas (até 2001 era para América do Sul), foi oficializado como novo referencial geodésico brasileiro pelo IBGE através da Resolução 01/2005 que previu um período de transição de até dez anos para a transformação das bases de dados.
É a padronização dos serviços geodésicos e, assim, eliminar a “colcha de retalhos” onde um levantamento não se ajusta ao outro por utilização do antigo SAD 69 ou WGS 84 (a partir do uso do GPS), a conversão é simples com utilização de softwares como o QGIS. A não utilização implica na incompatibilidade entre as informações geoespaciais em esfera nacional como, por exemplo, no georreferenciamento de propriedades rurais para o INCRA. Com o uso apenas do SIRGAS2000 existe uniformidade na base de dados georreferenciada.
Como a utilização de imagens de satélite e empresas especializadas em recobrimento aerofotogramétrico e cadastro imobiliário pode auxiliar na superação dos desafios relacionados à base cartográfica digital na regularização fundiária?
Aqui vale a máxima: seu bolso é seu guia! Existem inúmeras soluções tecnológicas conhecidas para superar os desafios relacionados à não existência de base cartográfica digital ou a desatualização da mesma, como as acima mencionadas.
Cabe ao técnico Engenheiro Cartógrafo e/ou Agrimensor direcionar o serviço existente no mercado à finalidade daquele município com os recursos disponíveis. Tem muito leigo opinando com soluções homéricas desnecessárias, cada caso é um caso. O que se deve ter em mente é consultar um profissional especializado, tem solução.