Edmilson Volpi*
Há apenas dois anos, um pouco antes das quarentenas provocadas pela pandemia, perto da cidade de Barstow, Califórnia (EUA), o acrobata Mike Hughes, mais conhecido como Mad Mike, decolou em um foguete caseiro para, a 1.500 metros de altura, tentar perceber a curvatura da Terra. Em caso negativo, isso provaria a teoria da Terra plana. Infelizmente para ele, porém, o pára-quedas do foguete se abriu no momento da decolagem e, após 30 segundos intermináveis, tudo terminou em tragédia.
Como refere artigo de Victor M. Manero para o site ABC Ciência, é quase inacreditável que, nos dias de hoje, alguém tenha morrido tentando refutar algo que já foi provado por um grego há cerca de 2.300 anos.
Seu nome era Eratóstenes e ele viveu na Alexandria (Egito) do século III aC. Pode-se dizer que era um gênio que dominava várias áreas do conhecimento, tendo feito contribuições importantes em astronomia, teatro, matemática, geografia, filosofia e até poesia. Sem falar que foi ainda diretor da famosa biblioteca de Alexandria.
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Ao que tudo indica, foi nessa biblioteca extraordinária destruída por um incêndio em 48 a.C. que ele encontrou alguns papiros com relatos de observações feitas em um posto avançado na cidade de Siena (atual Aswan), localizada a cerca de 800 quilômetros ao sul de Alexandria. Pelos documentos, de maneira inusitada, sempre no solstício de verão (21 de junho), ao meio-dia, os objetos não faziam sombra na cidade. Naquele exato momento, os habitantes de Siena tinham o Sol exatamente acima de suas cabeças.
Curioso, Eratóstenes decidiu fazer a mesma observação em Alexandria, que compartilha o mesmo meridiano com Siena, estando, portanto, no mesmo horário. Assim, ao meio-dia do solstício de verão, descobriu que em Alexandria, diferente do que acontecia em Siena, os objetos projetavam sombras. Ou seja, no mesmo momento, os alexandrinos NÃO tinham o Sol exatamente sobre suas cabeças, mas com 7,2º de inclinação medidos pelo próprio Eratóstenes.
Sábio como era, Eratóstenes conhecia bem a geometria e sabia que os ângulos internos de duas paralelas cortadas por uma terceira linha (raios do Sol) têm de ser obrigatoriamente iguais (“Alternate interior angles are equal”, na figura abaixo). Portanto, na hipótese da Terra plana, as duas perpendiculares a partir do solo (uma de Alexandria e outra de Siena) teriam de produzir ângulos iguais em relação aos raios do Sol se fossem paralelas (caso fosse a Terra plana). Assim, só havia uma explicação para aquilo: as perpendiculares não eram paralelas, ou seja, a Terra era uma circunferência. E, pela mesma regra, acima, o ângulo entre os raios a partir do centro da Terra até as duas cidades era de… 7,2º (detalhe “Center of the Earth”).
Mas Eratóstenes foi mais longe. Conhecendo a distância entre as duas cidades (800 km) e sabendo que um círculo completo tem 360º, ele fez uma regra de três simples para calcular a circunferência do planeta, chegado a 40 mil km. Errou por apenas 75 km, já que a medida atualizada é de 40.075 km.
Também usou a geometria para calcular a profundidade até o centro da Terra, já que sabia que o raio x 2π é igual à circunferência, deduziu que seria preciso cavar 6.366 km para chegar ao centro da Terra, apenas 5 km menor do que a medida atualizada conhecida, que é de 6.371 km!!
Uma precisão incrível para um homem do século III a.C. E, incrivelmente, 2.300 anos, depois, há quem ainda arrisque a vida em planos mirabolantes para tentar defender a tese da Terra plana.
Leia o artigo original aqui e a tradução, no Curiosidades Cartográficas.
*Edmilson M. Volpi é engenheiro cartógrafo e editor da página Curiosidades Cartográficas no Facebook e Instagram