Luiz Ugeda*
O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) lançou, semana passada, um mapa-múndi em que o Brasil aparece no centro do mundo. A intenção foi produzir um mapa que possa celebrar o momento no qual o G20 será presidido pelo país.
Projetar o Brasil no centro do mundo descortina nosso desejo de nos alçarmos como um eixo das dinâmicas geopolíticas e culturais do planeta. Tecnicamente esta divisão é possível, uma vez que fazer uma projeção de algo esférico (a Terra) em um plano (o mapa) é objeto de estudo da Engenharia Cartográfica e, respeitando um conjunto de regras, podemos realizar as projeções como quisermos.
A questão que fica é sobre a legitimidade e a conveniência desta opção. Institutos Geográficos, mundo afora, tem cada vez mais se tornado autônomos, com orçamento próprio e mandato da diretoria, situação análoga as nossas agências reguladoras. Trata-se de regular um setor emergente da economia, a Infraestrutura de Dados Espaciais (IDE). E estas entidades costumam realizar audiências públicas para ter a participação popular neste processo. Considerando que o IBGE é uma fundação, e sua governança ainda nos remete aos anos de 1960, como ele validou com a sociedade esta opção cartográfica e geográfica? Qual foi seu rito? Se a ideia era fazer um marketing do país, o que justifica colocar o centroide do mapa na divisa entre Roraima e Amazonas ao invés de aproveitar Macapá, que está literalmente na linha do Equador? Por que o IBGE privou Macapá desta formidável propaganda? Em um país com baixa literacia geográfica, como explicar que o Timor-Leste fica no Oeste? Que o Japão, terra do Sol Nascente, agora se encontra… no Sol Poente?
Receberemos a China como nossa maior aliada comercial no G20 dividindo seu território no mapa em dois hemisférios e – o que é visualmente mais grave – Taiwan no extremo Ocidente e a China Continental a leste? Mal se enxerga Pequim. Representar cartograficamente a China separada visualmente de Taiwan, ou com qualquer tipo de fragmentação, é crime na China. Já enviamos “nosso mapa” para a embaixada brasileira em Pequim avaliar? Perguntemos a Coca-Cola, que em 2014 foi acusada de “mapa ilegal” lá. Nem os Estados Unidos tiveram esta audácia cartográfica.
Esta “caixa preta” na tomada de decisão deste “Mapa-múndi brasileiro” ocorre pelo fato de o país nunca ter regulamentado o art. 21, inciso XV, de nossa Constituição, que trata da Cartografia e da Geografia oficial. Coincidentemente, também na semana passada, o Togo, país subsaariano, anunciou que em breve terá um instituto geográfico com autonomia orçamentária, mandatos da diretoria e com competência para digitalizar mapas. Note que nossa governança geográfica está mais atrasada do que a de muitos países subsaarianos.
Desde a época do Censo de 1940, quando Teixeira de Freitas, o Patrono do IBGE, percorria autoridades brasileiras com mapas em mãos, o mundo passou por transformações profundas que precisamos analisar para além destas práticas quase seculares. Reorganizar a disposição dos países no mapa, colocando quase 2 bilhões de pessoas nas bordas do mapa para afirmar que somos o centro e eles, a periferia, justifica-se apenas em nossa baixa estima. Já somos naturalmente centralizados nos mapas-múndi ocidentais e, mesmo quando não o somos, precisamos ir além de decisões panfletárias típicas de centros acadêmicos de departamentos de Geografia e construir uma política pública geográfica.
O argentino Jorge Bergoglio, quando se tornou o Papa Francisco, disse claramente que foram buscá-lo “no fim do mundo”, como o Cone Sul é conhecido. A Geografia brasileira não precisa de ufanias em forma de mapas. Precisa urgentemente de política pública geográfica que tenha governança capaz de ouvir a sociedade de forma transparente. Quem tem que estar no centro do mapa são os interesses da população brasileira, ela deve ser ouvida, e não pressuposta.
*Pós-doutor em Direito (UFMG) e doutor em Geografia (UnB). Autor do livro Direito Administrativo Geográfico. Fundador e CEO da Geocracia Legaltech.