Edmilson Volpi*
No início do séc. 16, a Europa acabara de ser inundada com informações sobre descobertas de novas terras nos quatro cantos do Mundo. Colombo havia chegado ao Caribe há apenas uma década, a costa africana havia sido totalmente navegada, Vasco da Gama chegara às Índias há poucos anos e Pedro Álvares Cabral tinha recém-descoberto a costa brasileira. Assim, uma obra cartográfica que compilasse todos esses novos lugares de maneira precisa e orientada era o maior desejo de todas as potências europeias envolvidas na corrida por conhecimento, recursos, riquezas e territórios. Realizado em 1502 por um cartógrafo português desconhecido, esse mapa existia e seus segredos e pioneirismos despertaram a cobiça de várias nações. Esta é a história de um dos mapas mais brilhantes já elaborados (veja em detalhes aqui) e de como ele caiu nas mãos de um espião italiano.
Feito em papel pergaminho e composto por seis folhas unidas por uma tela de 2,4m x 1,2m, o mapa de Catino ganhou esse nome por ter sido capturado por Alberto Cantino, um italiano que trabalhava em Portugal e que, secretamente, atuava como espião para Hércules I d’Este, o duque de Ferrara, então uma das poderosas cidades-estado italianas. A maneira como Cantino conseguiu por as mãos na cópia que levou para a Itália é um pouco nebulosa. Alguns afirmam que ele subornou um cartógrafo português ou italiano para que se fizesse uma cópia da preciosidade. Outra dá conta de que a cópia já existia e que Cantino apenas a comprou.
O certo é que, em 1502 – e isto está registrado em carta do próprio Cantino –, o espião italiano conseguiu adquiri-lo. Teria pago 12 ducados de ouro pelo mapa, uma verdadeira fortuna para a época, mas fez um excelente negócio, pois cobrou 20 do duque.
Pioneiro em vários sentidos
Além de importantíssimo do ponto de vista estratégico para as nações do século 16, o mapa de Cantino era também uma obra-prima cartográfica, com enormes avanços para sua época, reunindo todo o conhecimento geográfico da época e retratando com grande acurácia todo o continente africano e o Mar Vermelho. Ali estão também a Arábia, as tão cobiçadas Índias e suas especiarias e muitas referências sobre o quase desconhecido Sudeste asiático. A Oeste, estão os litorais brasileiro, venezuelano, caribenho (foi o primeiro a nomear as Antilhas) e parte da América do Norte, com a primeira representação do que seria a Flórida.
O mapa de Cantino marca ainda uma importante transição, da navegação costeira para a astronavegação, adequada para cruzar oceanos. A tradicional rosa dos ventos, símbolo da navegação baseada na orientação visual da costa, ainda está lá, mas, pela primeira vez, aparecem a linha do Equador, os trópicos e os círculos polares, fundamentais para a orientação por estrelas.
A obra também apresenta pela primeira vez a famosa linha de Tordesilhas, que servia para dividir o “mundo português do “mundo espanhol”, além de inúmeras gravuras destacando as características das novas terras.
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Quase 100 anos depois de sua confecção, mas ainda tratado como uma peça valiosa, o mapa de Cantino foi levado de Ferrara para Modena. Em meados do século 19, o mapa foi roubado e, curiosamente, encontrado, anos depois, pelo diretor da Biblioteca Estense pendurado na parede de uma salsicharia. Hoje, é peça importante da coleção da Galleria Estense de Modena
Veja o artigo original publicado na National Geographic e sua tradução no Curiosidades Cartográficas.
*Edmilson M. Volpi é engenheiro cartógrafo e editor da página Curiosidades Cartográficas no Facebook e Instagram