Em uma matéria para o The Washington Post, Tatum Hunter abordou o impacto da tecnologia na privacidade, discorrendo que a partilha de localização, embora prática, pode comprometer a saúde das nossas relações e até a nossa segurança. Tornou-se comum partilhar a localização com amigos e familiares, mas Hunter alerta que este hábito aparentemente inofensivo esconde riscos profundos e muitas vezes negligenciados.
A prática, que parecia uma forma de manter laços ou simplificar a logística do dia a dia, trouxe consequências negativas. Especialistas alertam que, ao partilhar localização, estamos a expor detalhes íntimos sobre os nossos movimentos diários. Shoshana Zuboff, professora de Harvard e autora de The Age of Surveillance Capitalism, destaca que, ao permitir este nível de acesso, normalizamos a vigilância em esferas que deveriam ser regidas pela confiança e pela intimidade.
A situação torna-se ainda mais preocupante em contextos de violência doméstica, aponta Kelli Owens, diretora do Gabinete de Prevenção da Violência Doméstica de Nova Iorque. Segundo ela, a partilha de localização tornou-se um fator comum em muitos casos de abuso, dificultando os esforços para garantir a segurança das vítimas. “Ninguém inicia uma relação a pensar que será controlado ou manipulado, mas a partilha de localização frequentemente se transforma numa ferramenta de poder e controle.”
Além de cenários extremos, até relações familiares podem sofrer com o uso inadequado dessa funcionalidade. Nyiko Rikhotso, de 25 anos, enfrentou dificuldades com os pais ao regressar para casa após a faculdade. Com acesso à localização da jovem, os pais faziam constantes perguntas sempre que ela estava em lugares desconhecidos. Sentindo-se desconfortável com a falta de privacidade, Rikhotso decidiu interromper a partilha de localização, apesar do receio de parecer insensível. “Foi uma conversa difícil, mas necessária”, recorda.
A pressão social para aceitar pedidos de partilha de localização é outro problema. Aidan Walker, também de 25 anos, relata como cedeu ao pedido de um colega de trabalho, sem sentir-se confortável. “Ele disse que gostava de saber onde todos estavam, como se fosse algo normal”, explicou. Para especialistas como Justine Ang Fonte, educadora sexual, este tipo de comportamento reflete uma normalização inadequada da vigilância, que reduz a autonomia individual.
Shoshana Zuboff sublinha que a privacidade é essencial para a construção de relações genuínas. “Abrir mão da privacidade mina os equilíbrios que sustentam indivíduos e relações significativas”, alerta. Para Zuboff, o uso de ferramentas como Find My Friends pode levar à erosão da confiança, substituindo o diálogo pela vigilância.
As consequências psicológicas da constante exposição também são motivo de preocupação. A pressão para partilhar localização pode gerar ansiedade e sentimento de invasão. “Dizer ‘não’ à partilha de localização pode ser, na verdade, um ato de amor e respeito mútuo”, argumenta Zuboff, ao defender que o estabelecimento de limites fortalece os laços humanos.
Hunter destaca que reavaliar a partilha de localização é um exercício de autonomia e de preservação das relações. Em vez de assumir que todos têm direito a saber onde estamos, a decisão de partilhar ou não deve ser tomada com base na confiança e no respeito.
Num mundo cada vez mais conectado, dizer “não” pode parecer contraintuitivo, mas é uma forma de proteger a individualidade e a liberdade. Como conclui Hunter, recusar partilhar a localização não é apenas uma escolha pessoal, mas um passo em direção a relações mais saudáveis e genuínas.
Para ler a matéria no original (em inglês, para assinantes), clique aqui.
Com informações de The Washington Post