Falando ao Geocracia nesta quarta-feira, o ex-presidente do IBGE Roberto Olinto se diz preocupado com algumas questões relativas à realização do Censo 2022, marcado para agosto. A primeira é o que entende ser uma morosidade do Institituto em pedir uma suplementação orçamentária para a pesquisa, que na sua opinião, tem um orçamento incompatível com o tamanho do desafio do Censo. “Esse era um orçamento de 2020. De lá para cá aconteceram n fatores que encareceram muito o Censo. Você não pode achar que com esse orçamento vai dar par fazer o mesmo Censo. Não dá. E o Instituto já deveria estar solicitando suplementação. Estamos perdendo tempo. Esse dinheiro leva de três a quatro meses para ser liberado e precisa estar disponível para para pagar diversos gastos que terão de ser resolvidos na hora da coleta”, afirma Olinto, sugerindo que o atual presidente do IBGE, Eduardo Rios Neto, cobre isso não apenas nos bastidores de Brasília, mas também para toda a sociedade.
Elaborado em 2018, na gestão de Roberto Olinto, para ser colocado na Lei orçamentária de 2019 e executado no Censo 2020, ele somava, à época, R$ 3,4 bilhões. Em 2019, porém, já na gestão da ex-presidente Susana Guerra, foi reduzido para R$ 2,3 bilhões, com cortes no questionário, transportes, propaganda e número de supervisores. “Admitindo-se que esses valores dariam para 2020, hoje, depois de uma pandemia, temos um período de inflação alta, sobretudo em combustíveis, e um censo que será feito com material de proteção contra a covid. São 200 mil recenseadores usando quatro máscaras por dia durante 60 dias”, alerta Olinto, chamando a atenção também para a necessidade de aumentar a verba para propaganda, já que muita gente ainda se sente insegura para abrir a porta de suas casas.
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O temor de Olinto é que a falta de recursos ameace a continuidade do trabalho de coleta, pois há despesas logísticas fundamentais em um censo demográfico que precisam ser efetuadas durante o trabalho. “Há gastos com combustível, aluguel de carro, de avião e de barco para poder chegar a todos os domicílios. Você não chega no norte de Fiat Uno. Em alguns pontos, é preciso pegar um avião para , depois, pegar um barco. E essa logística tem de ser paga no ato”, afirma Roberto Olinto, acrescentando que, no caso de o dinheiro acabar, a liberação de novos recursos não é imediata: “Você não consegue liberar isso rapidamente. Há uma burocracia que envolve aprovação do Congresso e isso pode levar três meses. Tem que pedir agora uns R$ 300 a R$ 500 milhões para garantir que a coleta seja feita o mais rápido possível, em dois meses. Corremos o risco de perder o timing do Censo. Isso tudo é um risco, e o orçamento é muito pouco”.
Olinto salienta que o papel do presidente do IBGE foi importante para se elevar o orçamento dos R$ 2 bilhões propostos pelo governo, em 2021, para os atuais R$ 2,3 bilhões, mas critica recente declaração de Eduardo Rios Neto em uma entrevista à TV Senado, na qual o dirigente do Instituto falava do primeiro orçamento proposto, de R$ 3,4 bilhões: “Me estranhou ele ter dito que se tratava apenas de uma estimativa e que ele preferia não fazer críticas para não desqualificar o orçamento. Na verdade, todo o orçamento é uma estimativa, e a equipe que elaborou aquele orçamento é a mesma que fez o de R$ 2,3 bilhões, que, na verdade, deveria ser de R$ 2,5 bilhões, pelo menos”.
Ação para incluir pergunta de gênero no Censo é “intervenção do Judiciário na agenda estatística”
A segunda preocupação de Olinto é com relação ao que chama de falta de uma atitude mais propositiva do órgão para fazer algo básico em estatística: ouvir a demanda da sociedade e propor uma solução, o que evitaria deixar o IBGE, no seu entender, à mercê de um ativismo judicial, que “intervém na agenda estatística do país. Isso não existe no mundo”.
Olinto citava diretamente a recente ação do Ministério Público Federal que ingressou na Justiça do Acre para obrigar o IBGE a incluir, no Censo 2022, perguntas para identificar identidade de gênero e orientação sexual. “A agenda estatística de um país é definida na discussão entre o órgão de estatística, especialistas, sociedade civil, Academia etc. E o instituto de estatística tem autonomia para discutir essa agenda. Essa postura é de um autoritarismo que o MP não está se dando conta. Não é assim que funciona”, diz Olinto, mencionando o exemplo da pergunta do autismo no Censo 2022 como outra intervenção que, na sua opinião, não trará bons resultados, pois grande parte das pessoas não tem conhecimento para responder a questão.
“O IBGE foi obrigado a colocar o autismo no Censo, uma pesquisa em que o chefe do domicílio responde por todos os moradores, familiares ou não. Responder uma questão dessas exige um conhecimento por parte deste morador que, muitas vezes, não existe”, afirma Olinto, para quem essa pergunta deveria ser colocada a quem trata o autista: “Esse tipo de questão diagnosticada é responsabilidade do Ministério da Saúde e não do IBGE. E deveria estar registrado no DataSUS, no Sistema Estatístico Nacional. Você não vai conseguir um bom resultado com o Censo Demográfico, pois o respondente pode achar que o filho é autista por ser tímido. Está errado colocar isso no censo ou mesmo na estatística. ‘Aparenta’ ser autista não é estatística”, critica.
No caso da recente questão do gênero e da ação do MP, Olinto acredita que situação é ainda pior. Ele refuta acusações de que o IBGE não reconhece a questão LGBTQIA+: “Não é verdade. Reconhece, mas o IBGE é sério. Não faz empulhação”, afirma, dando como exemplo o que foi feito para incluir os indígenas no Censo de 2010 e, agora, os quilombolas, no Censo de 2022, um trabalho que levou anos ouvindo as pessoas e selecionando o que é fundamental para políticas públicas. “E índios e quilombolas são questões objetivas. As tribos e as comunidades estão lá, é fácil identificar. Não é assim que se pesquisa orientação sexual e gênero. E, a três meses do Censo, mesmo que fosse possível fazer essa inclusão da questão do gênero, não seria viável.”
Olinto admite que essa questão é estatística e que está sendo discutida no mundo inteiro, mas não é uma investigação de censo demográfico, e deveria ser tratada como uma pesquisa específica, por amostragem. “É uma questão técnica. No censo, quem responde é o chefe do domicílio. Como acreditar que essa pessoa, que pode viver em alguns dos pontos mais humildes do interior do país, conhece todas as opções sexuais apresentadas na lista do questionário? Depois, será que essa pessoa tem a informação precisa para comunicar a orientação sexual dos demais moradores do domicílio?”
Para Olinto, o primeiro problema de uma pesquisa sobre gênero é como fazer a entrevista, que deveria seguir os moldes da Pesquisa de Educação, realizada pelo próprio IBGE, com entrevistas individuais, cada pessoa respondendo em um tablet. “Não tem constrangimento. O entrevistador entrega o dispositivo, o entrevistado escolhe a opção, dá um save e devolve o tablet, sem nem pôr seu nome”, sugere Olinto, adiantando que os equipamentos par fazer isso já existem, e podem ser os próprios 200 mil DMC (dispositivo móvel de coleta) que o IBGE está usando para o Censo.
Olinto critica o IBGE por não estar sendo pró-ativo nesse tema, aproveitando a própria evolução que já começou com experiências na PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio), quando se perguntou sobre casais do mesmo sexo, e na Pesquisa Nacional de Saúde, onde foram colocadas opções sexuais. Ele reconhece que houve críticas a esse trabalho, mas diz que era um primeiro teste. “É assim que uma pesquisa avança. O IBGE deveria estar se antecipando, como sempre fizemos. Poderia chamar a sociedade para discutir e propor uma linha de trabalho sobre orientação sexual e gênero, definindo, por exemplo, cinco, 10 ou 15 categorias, desde que se tenha certeza que esse tipo de nomenclatura é usado pela comunidade. Dizer que vamos avançar nesta linha para pesquisar o que está sendo feito pelo mundo e aplicar aqui. Mas não como Censo. Tem que ser pesquisa por amostragem”.
O ex-presidente do IBGE menciona ainda outro problema, já que a redução do orçamento obrigou a retirar perguntas do questionário do Censo 2022, e que, agora, teria de ser novamente aumentado por conta das perguntas de gênero.