Edmilson Volpi*
Os mapas acompanharam a ascensão e queda de impérios, a descoberta de novas terras e o estabelecimento de fronteiras, juntamente com o desaparecimento do antigo e a criação do novo. Eles têm sido centrais para a história humana em sua beleza sublime, bem como em seu horror desolador.
De acordo com artigo de Aditya Chaturvedi, editor da Geospatial World, não há história sem mapas. E não só história. Mais do que qualquer outra coisa, a cartografia define o passado ambíguo e delineia o presente caótico.
Ele lembra que a cartografia – ou a ciência da elaboração de mapas – está entre os primeiros esforços humanos para representar o mundo e entendê-lo. O espírito da engenhosidade humana, o zelo insaciável e o desejo de entender o mundo em geral e se conectar com ele levaram a isso.
Como a história moderna, dividida por Eric Hobsbawm em quatro eras, a história da cartografia também pode ser dividida em diferentes épocas. Das formas rudimentares de mapas feitos em cavernas, à época de Heródoto, passando pela Bula Papal e pelo alvorecer do colonialismo, até o desmoronamento final dos impérios e o início dos movimentos de libertação nacional, os mapas narraram tudo.
Leia também:
- E se Asterix e Obelix usassem o Google Maps?
- Cartógrafos famosos e seus mapas brilhantes
- 10 mapas que mudaram o mundo
Com a era digital e os softwares cartográficos, eles receberam um novo impulso por conta do GIS e dos dados geoespaciais, estendendo sua utilidade a todas as áreas humanas. Hoje, chegamos a um estágio em que o mapeamento está em toda parte e conectando, capacitando e avançando em quase tudo, do monótono ao espetacular, do banal ao inovador.
‘Uma Ode aos Mapas’ soa muito piegas para uma homenagem a algo que muda de forma e se reinventa constantemente. Os mapas são um palimpsesto da humanidade, com múltiplas camadas de conhecimento, história e experiência somando-se para sempre.
Vamos ver a montanha-russa da cartografia
O início grego
Dizem que os gregos antigos estão entre os primeiros a usar mapas para navegação. O filósofo Anaximandro foi um antigo pioneiro da cartografia. Heródoto, conhecido como o pai da história no ocidente, também foi um dos primeiros cartógrafos.
O mundo conhecido da época (mapa do alto da página) retratava a Grécia antiga como o centro do mundo, juntamente com seus flancos laterais. Tudo isso está enterrado nas páginas do tempo agora com uma esfericidade geográfica.
Ptolomeu começou a desenhar mapas usando um sistema de coordenadas de latitudes e longitudes que eram conhecidas naquela época. Este sistema, com modificações, continuou até séculos depois, e um avatar moderno dele ainda é utilizado hoje.
Atlas Chineses
A China antiga é responsável por muitas inovações vitais, do papel à pólvora e à bússola. Como o imenso ‘Reino do Meio’, os imperadores chineses patrocinavam a criação de mapas para garantir que eles soubessem de onde as ameaças poderiam emanar, juntamente com a busca da melhor rota para os comerciantes transportarem suas mercadorias.
No século IV a.C., a China fez mapas usando blocos de madeira e seda. Alguns dos antigos mapas chineses retratam assentamentos, bem como paisagens ondulantes e terrenos físicos vertiginosos.
A cartografia chinesa progrediu sob diferentes dinastias e atingiu seu auge por volta de meados de 1500, quando um abrangente atlas foi produzido utilizando um sistema de reticulado.
Aventura europeia
A projeção de Donis, ou paralelos e meridianos equidistantes que se encontram em direção aos polos, foi inventada por Nicholas Germanus no século XV. Por volta da mesma época, o primeiro mapa a retratar as Américas foi elaborado por Juan de la Cosa, um colega marinheiro de Cristóvão Colombo.
Alguns anos depois, um português chamado Diogo Ribeiro criou um mapa que mostrava o Oceano Pacífico e os limites da América do Sul e Central.
O mapeamento coincidiu não apenas com o projeto colonial, mas com a história de inovação e migração, de formações nacionais e da consciência pan-nacional.
A projeção de Mercator
Indiscutivelmente, é o termo mais usado na cartografia moderna ensinado nas escolas e faculdades, e é o padrão nas projeções cartográficas de hoje. Se você sentir que alguns países e continentes parecem inchados e que outros encolheram, então culpe a projeção.
Batizada com o nome do cartógrafo flamengo Gerardus Mercator, ela foi uma revolução na cartografia moderna e padronizou a prática de representar o sul apontado para baixo e o norte para cima, mantendo as direções intactas.
Os avanços tecnológicos após a revolução industrial levaram ainda a novas invenções na cartografia e no refinamento na criação de mapas. Agências nacionais de cartografia, como a Ordnance Survey e o United States Geological Survey, estão na vanguarda desde sua criação.
Apresentando o GIS
GIS, ou Sistema de Informações Geográficas (em português), é a arte imersiva de identificar qualquer local em qualquer lugar no mapa. Ele é a base das economias digitais e um facilitador vital de vários setores. Ele potencializa nossa visão, revela o que está oculto, ajuda a organizar padrões e é um dos principais impulsionadores do amanhã.
Para uma melhor analogia, pode-se dizer que o desenvolvimento do GIS foi semelhante à revolução digital e computacional combinada na geografia e na cartografia.
O desenvolvimento do GIS começou na década de 1960, coincidindo com outras inovações pioneiras, como semicondutores, computação e o programa espacial, ou a quase neglicenciada conteinerização da carga, crucial para a logística moderna.
Todos esses desenvolvimentos transformaram o mundo e iniciaram uma nova era, e o GIS foi o fio que ligava todos eles. A convergência pode parecer um pouco gasta hoje em dia, mas o papel dos GIS em permitir uma verdadeira convergência tecnológica não pode ser subestimado.
Grandes coisas geralmente têm um começo indefinido e uma trajetória esquecível, até que seu valor dispare e elas se tornam familiares. A história do GIS é assim.
O que começou como um projeto encomendado pelo governo canadense para gerenciar o inventário de recursos naturais, em 1963, hoje vale bilhões de dólares, impulsionando setores desde a entrega de última milha até a manutenção da infraestrutura, defesa e inteligência, e impulsionando o surgimento da Indústria 4.0 e a era da interoperabilidade.
Roger Tomlinson, um geógrafo canadense, é o pioneiro do GIS e o homem que cunhou o termo enquanto trabalhava no projeto do governo canadense.
Ao mesmo tempo, um homem chamado Howard Fischer do Laboratório de Computação Gráfica de Harvard, também estava desempenhando um papel inovador na evolução do GIS. Em 1964, ele criou um programa de mapeamento por computador conhecido como Synmap. Um ano depois, fundou o laboratório de Harvard, que seguia uma ética verdadeiramente interdisciplinar e incluía cientistas, planejadores e geógrafos como seus membros.
Democratização dos mapas
Um dos fatores significativos que contribuíram para o alcance global dos mapas digitais e o aumento inestimável da economia de localização, que hoje está no centro das inovações revolucionárias, foi a abertura do GPS para uso civil pelos Estados Unidos.
Inicialmente lançado para o público em 1993, mas deliberadamente embaralhado por “razões de segurança” (o que levou a imprecisões para localizações mais detalhadas), o GIS teve suas restrições retiradas pelo governo dos EUA em 2000. Esta foi uma decisão importante que levou a um aumento de mais de dez vezes na precisão do GPS para aplicações civis e permitiu o surgimento de sistemas de navegação modernos e serviços baseados em localização, possibilitando que o GPS estivesse em todos os smartphones de baixo alcance em todo o mundo.
Em 2005, surgiu o Google Maps, que, pela primeira vez, utilizou uma mistura de fotografia aérea, imagens de satélite e mapas de ruas locais. Este foi outro marco, pois democratizou completamente o poder dos mapas e a inteligência de localização.
Hoje, quando a digitalização converteu os smartphones em tudo, os mapas digitais e a inteligência de localização viraram uma indústria próspera que sustenta a extensa rede de conectividade desbloqueada pela Internet e pelos celulares.
O Google Maps e outros mapas detalhados surgiram no centro da gig economy, e a nova plataforma para um modelo de negócios de serviço. Desde a otimização de rotas para uma entrega de alimentos até a estimativa de passos em uma sala de cinema ou um shopping, a combinação de inteligência de localização e mapas digitais é o jogo.
Durante o surto de covid-19, o GIS e a inteligência de localização desempenharam um papel fundamental em tudo, desde rastreamento, localização, visualização de casos, monitoramento de cidades e gerenciamento do fornecimento de bens essenciais.
A frase os ‘Dados são o novo petróleo’ tornou-se banal ao ponto da exaustão. Mas o que chama a atenção é o papel do GIS e dos mapas digitais no refinamento, processamento e análise de dados.
Para emprestar outra analogia da indústria do petróleo – é a destilação dos dados brutos por meio de ferramentas como o GIS que produz resultados personalizados de campos tão variados como cadeias de suprimentos, logística, manufatura, varejo, análise, gerenciamento de relacionamento com o cliente e qualquer outra forma de mapeamento ou previsão espacial.
Com a crescente convergência entre os atores de tecnologia e suas tentativas de superar uns aos outros e superar as expectativas dos clientes, a adoção do GIS/Geoespacial transcendeu setores e indústrias verticais. Sejam cartógrafos, agências de mapeamento, marqueteiros, urbanistas, geeks, comerciantes ou viajantes, o mundo hoje sem mapas digitais é inconcebível.
Mapas em HD – O final ou o continuum?
Mapas em HD (alta definição), com nível de precisão centimétrica, são altamente precisos, projetados para veículos autônomos e feitos a partir de dados coletados por meio de LiDAR (Light Detection And Ranging), Radar, GPS, câmeras e outros sensores. Esses mapas são atualizados em tempo real usando conectividade de altíssima velocidade e também podem ser usados para analises preditivas. Espera-se que o tamanho global do Mercado de mapas em HD atinja US$ 17 bilhões até 2028.
Da mobilidade inteligente ao futuro da logística orientada à IoT, tudo depende de mapas em HD. Um mapa em HD normal é composto por cinco camadas: em tempo real, anterior do mapa, semântica, mapa geométrico e mapa base. Uma das principais dificuldades, hoje, na criação de mapas em HD é que eles exigem velocidade e largura de banda ultra-rápida para transferir uma enorme quantidade de dados em tempo real. Quando o 5G entrar em cena, os mapas em HD receberão um impulso significativo.
Assim como nossos antepassados usavam mapas para viagens, para migração e para procurar zonas seguras em caso de calamidades, no futuro, veículos autônomos, com a ajuda de mapas em HD, garantirão que nos desloquemos com segurança e as mercadorias sejam entregues na última milha de maneira otimizada. Eles reformularão a identidade, o comportamento e a mobilidade mais uma vez, como fizeram em todas as evoluções anteriores da cartografia.
Leia aqui o artigo original, e a tradução no Curiosidades Cartográficas.
* Edmilson M. Volpi é engenheiro Cartógrafo e editor da página Curiosidades Cartográficas no Facebook e Instagram