Edmilson Volpi*
Quando a inglesa Hester Cox escolheu o tecido para seu vestido de noiva, em 2016, não desconfiava que a atenção que despertou na imprensa internacional estava ajudando a ressuscitar uma tendência do vestuário que havia sido moda logo após a Segunda Guerra Mundial. Cox foi vestida com um mapa de seda que retratava a Escandinávia e remontava os anos 40, quando os aliados fabricaram mapas da Europa em seda e os escondiam em botas, jaquetas ou nas suas roupas de baixo.
É o que nos conta uma reportagem do site Atlas Obscura, resgatando a história dessas peças incríveis que tinham como objetivo serem usadas em fugas, caso os militares fossem feitos prisioneiros dos alemães, o que mostra até onde vai a criatividade em tempo de guerra, quando os recursos são escassos.
O inventor da ideia foi Christopher Clayton Hutton, que trabalhou com Wallace Ellison, ele próprio um prisioneiro de guerra na Primeira Guerra Mundial, para descobrir como fixar a tinta na seda. Como eram muito resistentes a intempéries e podiam ser facilmente escondidos e dobrados sem barulho, tornaram-se uma ferramenta inestimável para as forças aliadas abatidas ou feitas como prisioneiros de guerra na Europa e no Pacífico.
Centenas de milhares desses mapas foram produzidos na Grã-Bretanha e nos Estados Unidos ajudando em cerca de 750 fugas. Os mapas eram impressos na John Waddington Ltd., empresa que também fabricava os tabuleiros de do famoso jogo ‘Banco Imobiliário’.
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Curiosamente, assim que a guerra acabou, o uso desses mapas como peça de vestuário virou moda. Um dos motivos é que os racionamentos, entre eles o de tecidos, continuaram por uma Europa devastada pelo conflito. E os mapas se encaixavam perfeitamente na mensagem Make Do and Mend (Faça e Conserte) disseminada pelo Ministério da Informação para incentivar a reutilização e reciclagem de roupas. Assim, os soldados que voltavam do front ofereciam os mapas a esposas e entes queridos para que eles os transformassem em roupas.
Segundo a historiadora de moda Anna Vaughan Kett, era comum, na época da guerra, os ingleses tirarem suas cortinas para transformá-las em saias. “As pessoas realmente usaram cada pedaço de tecido. E quem não gostaria de usar um belo retângulo macio de seda de boa qualidade?”, diz Kett. Pelo mesmo motivo, a seda usada nos pára-quedas também era muito popular, sendo inclusive utilizada em casamentos.
Os mapas de seda inundaram o mercado civil do Reino Unido nas lojas de excedentes do Exército e da Marinha, até porque não estavam sujeitos aos cupons de racionamento de tecidos. Como eram pequenos, a maioria era utilizada para que cada um costurasse sutiãs, roupa de baixo, sungas e macacões para crianças. Mas alguns costureiros mais criativos transformaram as peças em vestidos e nos populares casacos da época.
Segundo Vaughan Kett, as saias que usavam os mapas foram responsáveis por uma explosão do uso da seda, no vestuário da época, e exigiam um trabalho minucioso de costura à mão e à máquina, para que os padrões dos mapas se organizassem de maneiras interessantes.
Mais recentemente, os designers de moda decidiram revisitar a prática e fizeram uma nova edição do fenômeno. Em Londres, Christopher Raeburn, dono da marca RÆBURN, conta que redescobriu os mapas de maneira fortuita, em 2013, ao descobri-los em um esconderijo dos anos 1950. “Eu abri uma caixa de papelão quase despercebida em um estande de mercado de antiguidades e, como uma agulha em um palheiro, encontrei 800 mapas de navegação da ‘Royal Air Force’ intocados cuidadosamente empilhados lá dentro. Tudo tão bem impresso em seda luxuosa, que eu soube que tinha encontrado algo realmente especial”, diz ele.
“Esses mapas foram originalmente fabricados em um clima de medo e incerteza, um sentimento com o qual tenho certeza que todos podemos nos relacionar no clima atual, e transformamos o tecido para cumprir uma nova função. Se você olhar de perto os mapas, eles se referem a locais de guerra, campos de batalha, geralmente na Ásia. Esse design ainda ressoa conosco hoje, pois mostra como a transformação e a criatividade podem vir do caos”, diz Amelie Jannoe, assistente de conteúdo digital e criativo da RÆBURN.
Leia aqui o artigo original. E aqui, a tradução no Curiosidades Cartográficas.
* Edmilson M. Volpi é engenheiro cartógrafo e editor da página Curiosidades Cartográficas no Facebook e Instagram