A Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado Federal deve analisar nesta semana a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que prevê a transferência de terrenos de marinha, hoje sob domínio da União, para particulares, estados e municípios. A iniciativa, apelidada de “PEC das Praias”, promete impactar significativamente as atividades da Secretaria de Patrimônio da União (SPU), órgão responsável pela gestão dessas áreas, além de provocar mudanças profundas na caracterização da propriedade pública no país.
Atualmente, os terrenos de marinha são propriedades exclusivas da União, e a SPU desempenha um papel central na administração dessas áreas, cobrando taxas como Foro e Laudêmio e assegurando que os terrenos sejam utilizados de forma a respeitar seu caráter público. A PEC, relatada pelo senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), propõe extinguir essas taxas, o que representaria um corte expressivo na arrecadação gerida pela SPU. A medida transfere a propriedade desses terrenos para os atuais ocupantes, alterando o status jurídico de bens públicos estratégicos.
Para os críticos, a proposta enfraquece a função da SPU como guardiã de áreas costeiras, historicamente protegidas para preservar o acesso público e garantir o uso sustentável. A transferência de propriedade para particulares e governos locais pode, segundo ambientalistas, gerar fragmentação nas políticas de gestão costeira e abrir brechas para usos privados que comprometam a preservação ambiental e o livre acesso às praias.
O texto da PEC prevê que terrenos ocupados por famílias de baixa renda sejam transferidos gratuitamente, enquanto outros proprietários deverão pagar pela regularização, de acordo com critérios estabelecidos pela União. Áreas não ocupadas permaneceriam sob domínio federal, mas a redução da responsabilidade da SPU sobre grande parte do patrimônio público representaria uma reconfiguração drástica no modelo de gestão fundiária nacional.
Para o governo, a PEC representa uma ameaça ao conceito de propriedade pública. “Se a União perder o controle desses terrenos, que são essenciais para a preservação ambiental e o livre acesso às praias, o país poderá enfrentar um cenário de privatização disfarçada e degradação costeira”, alertou o líder interino do governo, Otto Alencar (PSD-BA). Ele destacou que os terrenos de marinha estão localizados em áreas ecologicamente frágeis, como mangues, restingas e dunas, cuja proteção depende de uma gestão centralizada e uniforme.
Os defensores da proposta argumentam que a medida corrige uma injustiça histórica, especialmente para moradores de baixa renda que ocupam terrenos de marinha há décadas sem conseguir regularizar sua situação. Para esses ocupantes, a transferência gratuita de propriedade significaria segurança jurídica e o fim de obrigações financeiras onerosas. O relator incluiu no texto um dispositivo que garante o acesso público e gratuito às praias, buscando mitigar preocupações com a privatização.
Contudo, especialistas alertam para o impacto estrutural sobre a SPU. A gestão dos terrenos de marinha gera não apenas receitas, mas também um controle estratégico sobre áreas de alta relevância social, econômica e ambiental. A descentralização proposta pela PEC pode levar a uma aplicação desigual de políticas públicas, sujeitando estados e municípios a pressões locais para aprovar empreendimentos potencialmente prejudiciais ao meio ambiente.
A discussão na CCJ acontece em um momento de agenda carregada, com o relatório da Reforma Tributária também previsto para ser apresentado na mesma semana. O governo já sinalizou que deve pedir vista da PEC, buscando adiar a votação para aprofundar o debate. Enquanto isso, a proposta permanece no centro de uma controvérsia que coloca em xeque o futuro da gestão de terras públicas no Brasil e o papel da SPU como administradora de um patrimônio costeiro que é, por definição, de todos os brasileiros.
Com informações de O Globo, Agência Câmara e Agência Senado