Apesar da questão ambiental no Brasil ser muito focada na floresta Amazônica, sobretudo por conta da opinião pública internacional, “os problemas ambientais nas cidades possuem maior pressão humana”. A observação é do engenheiro Pedro Maia, da Engemaia, empresa de serviços ambientais responsável por um app de georreferenciamento de árvores urbanas que já foi implantado nas cidades de Natal (RN), Piracicaba (SP) e João Pessoa (PB). Segundo ele, os brasileiros amam árvores, “mais muitos não as querem na frente da sua casa, pois gera ‘sujeira’, quebra calçadas e entope tubulações”. Em entrevista exclusiva ao Geocracia, Maia fala das vantagens de georreferenciar as árvores nas cidades, possibilitando ao poder público diminuir as situações de conflito da “população verde” com outros elementos urbanos, evitando a erradicação de indivíduos sem motivo plausível.
No que consiste o manuseio da floresta urbana e como as ferramentas de geoinformação ajudam nesta finalidade?
A definição do manuseio ou manejo da floresta urbana é bem amplo. A partir do momento da escolha das sementes, que normalmente a administração pública escolhe para germinar as mudas a serem plantadas na cidade, já se inicia o manejo. Você está ali escolhendo a diversidade da sua floresta urbana. A partir daí vêm o plantio e os cuidados das árvores em seus estágios jovem e adulto até a erradicação, no final da sua vida biológica. Então, temos que pensar na floresta urbana como a população verde das nossas cidades. Saber, por meio da geoinformação, onde está essa população, quando foi plantada, sua idade e outros dados vem se tornando imprescindível para melhorar a eficiência da administração pública no manejo da floresta urbana. Muitas prefeituras, hoje, plantam suas mudas já com georreferenciamento, e o atualizam sempre que possível, para poder ter um levantamento quanti-qualitativo mais preciso da sua própria floresta urbana. Quando falamos de árvores em ambiente urbano, estamos, sem dúvida, colocando um indivíduo ambiental em natural conflito com outros elementos urbanos, como fiação aérea, calçadas, tubulações enterradas, e a geoinformação pode diminuir esse conflito preservando todos os elementos em harmonia.
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Quais as vantagens para as cidades do inventário arbóreo e como ele pode ser incluído no conceito de cidade inteligente?
O inventário arbóreo é uma ferramenta excelente para diagnosticar a floresta urbana da cidade. É um levantamento de informações iniciais para traçar políticas públicas. Responde perguntas importantes para qualquer gestor: quantas árvores temos? Onde estão? Quais espécies? Qual o risco de queda? Qual bairro possui maior necessidade de plantio? São perguntas e respostas importantes. Uma cidade inteligente é aquela que consegue se antecipar aos problemas e trazer benefícios de qualidade de vida para seus cidadãos. E a floresta urbana, certamente, está inserida nos pontos positivos de uma cidade. Mas isso traz aos seus gestores o desafio de cuidar dessa floresta com o menor impacto negativo possível, como queda de árvores, por exemplo.
Ao inventariar a arborização de uma cidade e mantê-lo atualizado, os gestores têm uma ferramenta de alto valor agregado para monitorar e fazer tomadas de decisão como: aumentar a qualidade do plantio, diminuir ilhas de calor, priorizar o manejo de árvores com maior risco de queda, evitando acidentes com árvores – que muitas vezes acontecem nas cidades brasileiras –, e saber os percentuais de cada espécie, controlando a diversidade arbórea para, assim, evitar problemas fitossanitários que possam interferir na qualidade ambiental da cidade.
Os olhos do mundo estão sobre a Amazônia e já existem diversas ferramentas geo para acompanhar desmatamento, queimadas e invasões nas florestas, mas o problema ambiental nas cidades e nas periferias é ainda maior, não?
Eu diria que os problemas ambientais nas cidades possuem maior pressão humana. Todo brasileiro ama árvore, mais muitos não as querem na frente da sua casa, pois gera “sujeira”, quebra calçadas e entope tubulações. É muito comum as prefeituras receberem solicitações diárias de erradicação de árvores sem nenhum motivo plausível. Ora, as árvores que tanto amamos, muitas vezes, são o elemento ambiental mais próximo das nossas casas. Então, por que tirá-las? Será que não precisamos de maior educação ambiental? Será que nossas prefeituras não estão cuidando bem das nossas árvores urbanas? Será que arborização urbana não está sendo tratada como o “patinho feio” da cidade? Um pouco de cada! Se queremos uma qualidade de vida boa para nossos filhos e netos, temos que pensar mais na arborização urbana hoje, ou não teremos um clima, uma temperatura, um conforto ambiental tão bom quanto tivemos nas nossas infâncias. Árvore não cresce tão rápido quanto gostaríamos. Alterar a arborização urbana, melhorando-a, demora muitos anos, talvez décadas!
Uma das maiores agressões às árvores urbanas são as podas exigidas pela convivência das copas com a fiação elétrica e telefônica. Sabemos que enterrar essa fiação é um processo caro. Existem alternativas que não sacrifiquem tanto as árvores? Como o georreferenciamento pode ser usado nessas soluções?
Sim, existem. A maioria das distribuidoras de energia vem adotando a utilização de redes compactas como padrão construtivo para parte de suas redes de alta e baixa tensão. São utilizados cabos compactos ou isolados, que ocupam menor espaço e reduzem a necessidade de podas drásticas em árvores de grande porte. A medida visa a preservar espécies que estão saudáveis e cujo crescimento não constitui risco para os pedestres e veículos ou conflito com a rede elétrica/telefônica.
O georreferenciamento da arborização urbana vem para contribuir novamente com o bom planejamento e eficiência do manejo. Conhecendo a espécie arbórea e o local onde ela está, já é possível prever quando seus galhos irão tocar a fiação elétrica e, assim, prever o seu manejo para evitar conflitos.
Há como correlacionar o manuseio arbóreo com fundos ESG (Environmental, Social and Governance)? É possível vislumbrar o futuro desta atividade?
Eu acho que não existe atividade mais ambiental em uma cidade do que cuidar da arborização urbana! Um bom manejo arbóreo implantado com sustentabilidade, ou seja, realizado com trituração do resíduo para utilizá-lo como composto orgânico e adubo no próprio plantio, é um excelente exemplo de como podemos evitar lançar esse subproduto em aterros sanitários, fechando o ciclo de sustentabilidade da atividade.
Logo, fundos ESG podem incentivar esse manuseio sustentável em vários municípios, mudando a realidade de maus tratos a árvores urbanas, o que ainda se verifica na maioria das cidades brasileiras. Temos muito a evoluir nesse mercado.
No meu ponto de vista, os fundos ESG ainda não descobriram as árvores urbanas e seus benefícios para a população.