A adoção de políticas e legislações claras e atualizadas referentes à geração, atualização, acessibilidade e ao uso de dados geoespaciais beneficiam o país e a sociedade como um todo. A opinião é de Eduardo Oliveira, CEO da Santiago & Cintra, maior empresa brasileira em tecnologias geoespaciais. Representante no Brasil das principais marcas mundiais, a empresa é signatária da Coalizão Brasil, Clima, Florestas e Agricultura e parceira da Polícia Federal, a quem fornece imagens de satélite para monitoramento e detecção de ações ilegais contra o meio ambiente. Em entrevista ao Geocracia, Oliveira, que é engenheiro cartógrafo formado pela Unesp e atua há 38 anos no setor, admite que essas tecnologias também podem ajudar as autoridades no combate ao crime organizado das grandes metrópoles.
Antigamente, os trabalhos de monitoramento tinham que ser feitos em terra ou, no máximo, com sobrevoo. Atualmente, podem ser feitos voos baixos (drones) e altos (satélites). Como isso muda o trabalho do gestor público na fiscalização de ilegalidades, como p. ex. no meio ambiente?
O uso da tecnologia de sensoriamento remoto, seja ela aérea (drone, aeronaves) ou orbital (satélites artificiais) para observação da Terra, criou condições mais eficientes para detectar as mudanças que ocorrem no espaço e no tempo. Isso porque, atualmente, pequenas ou grandes regiões ou até mesmo um país inteiro podem ser monitorados com imagens obtidas diariamente e com alto nível de detalhes. Dessa forma, um gestor público pode ter acesso, rapidamente e com precisão de posicionamento, às informações sobre onde estão ocorrendo desmatamentos, ocupações irregulares ou a extração de determinados recursos naturais não autorizados, aumentando sua capacidade de fiscalização, análise e gestão.
Outro fator importante a considerarmos é a possibilidade de acesso fácil a todas essas informações, sem necessidade de ser um especialista. O gestor público ou privado pode acessar essas imagens e os relatórios analíticos gerados e receber alertas sobre essas mudanças em seu dispositivo mobile ou computador, no lugar onde estiver.
A Santiago & Cintra aderiu à Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura e tem dado às autoridades a possibilidade de gerir dados sobre desmatamento e manejo ilegal em florestas, queimadas, rompimento de barragens, mineração irregular, pistas clandestinas, plantio de drogas e até fraudes em obras. Podemos dizer que a tecnologia começa a proporcionar mais segurança para o dia a dia do cidadão?
Além da Coalizão Brasil Clima, a Santiago & Cintra também é signatária do Pacto Global das Nações Unidas (ONU), ambos desde 2016.
A tecnologia é parte integrante do nosso dia a dia e está presente em praticamente todos os projetos e ações que se relacionam ao monitoramento, detecção, análise e fiscalização das mudanças que ocorrem em uma determinada área, tenham essas impactos positivos, negativos, legais ou ilegais. Os recursos tecnológicos, como os satélites e os drones, relacionados à geração de dados sobre essas mudanças, sem dúvida, proporcionam informações atualizadas que já têm sido utilizadas no combate às atividades ilegais, aumentando a segurança local, regional e nacional e fomentando o desenvolvimento de projetos e ações sociais, econômicas e ambientalmente sustentáveis.
A Polícia Federal, por exemplo, desde 2018, faz uso das imagens de satélites Planet para monitoramento e detecção de ações ilegais, como combate ao crime organizado, identificação de pistas de pouso e estradas clandestinas, monitoramento de embarcações suspeitas e crimes ambientais ainda no início (queimadas e desmatamento, dentre outras atividades ilícitas). A tecnologia faz parte do Programa Brasil M.A.I.S. (Meio Ambiente Integrado e Seguro) como um dos projetos estratégicos do Ministério da Justiça e Segurança Pública e pode ser utilizada pelos órgãos do Sistema de Justiça, Controle e Segurança Pública da União e dos Estados, além de outras instituições da Administração Pública para apoio às ações de combate ao crime organizado.
Apesar de a Amazônia ser um tema que polariza as atenções mundiais sobre Brasil, em termos de segurança temos enormes desafios nos grandes centros urbanos. Esse tipo de ferramenta poderia ser utilizado para ajudar no combate às facções criminosas que agem nas metrópoles?
Sim. O uso dessas tecnologias em áreas urbanas, sobretudo drones, tem sido ampla e globalmente utilizado, juntamente com informações de inteligência relacionadas à segurança pública, defesa civil, corpo de bombeiros e outras. A dinâmica de abertura de novos acessos, escoamento, fluxo de mobilidade, construções dinâmicas, como galpões, são processos analisados e utilizados nesse tipo de aplicação.
A experiência internacional aponta que o setor de dados espaciais cresce exponencialmente e precisa, ao menos, de três instâncias para funcionar: uma legislação atualizada, um conselho interministerial e uma autoridade pública oficialmente responsável pelo setor. É quase como um condomínio, que precisa de uma ata de criação, da assembleia de condôminos e de um síndico. O Brasil, atualmente, não tem nenhuma destas três figuras constituídas. Como isso interfere no aprimoramento do mercado de dados espaciais no Brasil?
Acredito que políticas e legislações claras e atualizadas referentes à geração, atualização, acessibilidade e ao uso de dados geoespaciais beneficiam o país e a sociedade como um todo.
Não podemos nos esquecer, no entanto, de que as tecnologias geoespaciais têm se incorporado de tal forma no dia a dia da população (aplicativos de delivery, de navegação e até mesmo de encontros fazem uso de dados geoespaciais) e em praticamente todos os grandes segmentos da economia (agricultura, mineração, florestal, meio ambiente, segurança pública ou privada) que sua utilização tem sido muito mais determinada pelos seus benefícios do que qualquer regulamentação governamental. No mundo todo, na maioria das vezes, a tecnologia está à frente de regulamentações.
É oportuno observarmos ainda que, no segmento orbital, há um forte deslocamento dos investimentos do setor público para o privado, quando se analisa os grandes programas geoespaciais, embora os governos sejam ainda um dos maiores usuários.
Em sua opinião, como fica o cidadão em meio a toda essa revolução tecnológica? Ele terá direitos sobre seus dados ou as tecnologias decretaram a morte da privacidade?
A pergunta é muito pertinente, porém não tem uma resposta fácil. A meu ver, esse é um grande dilema que a nossa sociedade enfrenta em termos globais e não está associado à tecnologia geoespacial propriamente dita, mas a todas as soluções tecnológicas que nos conectam quase 24h por dia.
Inúmeras são as ações, projetos, iniciativas, leis que tentam tratar e disciplinar sobre os riscos que envolvem esse novo ambiente tecnológico. Podemos citar, como exemplo recente, a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD).
Essa é uma pergunta que ainda irá nos acompanhar por muito tempo.