Na falta de uma regularização da cartografia nacional, que assegure uma base de dados única e integrada entre as diversas instituições federais, estaduais e municipais produtoras de geoinformação, o estado do Pará resolver se adiantar e estruturar um conjunto de bases de dados. A ideia surgiu a partir do relacionamento com a concessionária de energia elétrica do Pará, a Equatorial, e da necessidade de planejamento para obtenção de licenciamento ambiental de projetos de infraestrutura, como linhas de transmissão. Em entrevista ao Geocracia, Rodolpho Zahluth Bastos, secretário adjunto de Gestão e Regularidade Ambiental da Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Sustentabilidade do Pará (Semas/PA), diz que essa foi a maneira de mitigar o cenário atual, de ausência de coordenação nacional, mas que o ideal “é termos uma base de dados cartográfica integrada de diferentes instituições federais, estaduais, municipais à disponibilização da sociedade”.
O Governo do Estado do Pará, por meio da Semas, irá realizar o webinar “Georreferenciamento na Amazônia – o planejamento ambiental no licenciamento de empreendimentos lineares”. Quais temas serão tratados?
É notória a necessidade de aprimorarmos a inserção das variáveis socioambiental e territorial nas fases de planejamento e projeto de empreendimentos lineares de infraestrutura, tais como linhas de transmissão e distribuição de energia. Tais variáveis já são observadas no bojo de processos de licenciamento de empreendimentos lineares, mas o que se propõe com o webinar é demonstrar a importância de um melhor planejamento ambiental e territorial na fase que antecede à demanda de licenciamento junto ao órgão estadual, e de que forma o georreferenciamento pode contribuir para qualificar e garantir a incorporação de aspectos socioambientais e territoriais, desde as etapas de planejamento e concepção do projeto. Considerar tais variáveis previamente implica o fortalecimento da gestão de processos de licenciamento ambiental de empreendimentos lineares, possibilitando que sejam mais céleres e eficientes.
Como estão estruturados os dados espaciais da Semas?
A Secretaria estruturou o conjunto de bases de dados e arquivos necessários à implementação da gestão e execução dos instrumentos de ordenamento, regularização, licenciamento e fiscalização ambiental em um banco de dados e pastas em formatos shapes com todas as extensões, fontes e tabelas de atributos atualizados. A estruturação da base de dados é composta tanto pelas bases e tabelas de atributos dos diferentes órgãos federais e estaduais que atuam na gestão territorial, fundiária e ambiental (Iterpa, Incra, Funai, Ibama, ICMBio, SFB, Iphan, ANM e IdelflorBio), quanto pelas bases próprias desenvolvidas pela Secretaria para subsidiar o licenciamento e monitoramento (bases de reflorestamento, de planos de manejo florestal sustentável, de licenciamento ambiental rural, supressão para uso alternativo do dolo, CAR, PRA, hidrografia, lista de desmatamento ilegal, embargos estaduais). A partir dessas bases de imagens, principalmente Lansdat e Sentinel, produzimos cenários atualizados em conjunto com as bases de classificação que utilizamos para avaliar o ordenamento territorial no componente uso e ocupação do solo, a partir da classificação MAPBiomas.
Essas bases guardam informações principalmente sobre níveis específicos de localização, domínio e informações ambientais e subsidiam as análises em relação às áreas restritivas e espaços especialmente protegidos pela legislação vigente.
Qual a vantagem de o governo do Pará disponibilizar para a sociedade a Infraestrutura de Dados Espaciais?
No Brasil, o planejamento territorial, quando existe, é feito de forma setorial. Ademais, é notória a carência histórica de diálogo entre a União e os entes da federação no planejamento e ordenamento do território. O resultado disso é que diferentes pastas ministeriais e/ou de diferentes entes da Federação pensam e planejam o território de forma distinta, muitas vezes contraditórias, fomentando conflitos de uso e ocupação do território. Diferentes órgãos planejam projetos de infraestrutura, mineração, assentamento e unidades de conservação no mesmo território. Não há integração. Entendemos que a geração e a disponibilização de bases oficiais de insumos cartográficos é um importante elemento de mitigação desse quadro, avançando para um planejamento estratégico da dimensão territorial. O ideal, entretanto, é termos uma base de dados cartográfica integrada de diferentes instituições federais, estaduais, municipais à disponibilização da sociedade.
Na ausência de planejamento e ordenamento territorial integrado, é no licenciamento ambiental que os problemas e conflitos de ordenamento tendem a ser expostos. É a razão do instrumento possuir tamanha relevância no Brasil.
É possível fomentar uma IDE estadual para conciliar preservação ambiental e expansão da infraestrutura local, como distribuição de energia elétrica e saneamento? Quais as vantagens para os processos de licenciamento ambiental?
Precisamos caminhar nessa direção. A ideia do projeto surge a partir do diálogo com a concessionária de energia do Pará, a Equatorial, com o intuito de aprimorar o planejamento ambiental dos projetos de distribuição de energia protocolados para licenciamento junto à Semas. O empreendimento não tem início com o pedido de licenciamento prévio junto ao órgão ambiental. Inicia antes, com a elaboração do plano de distribuição e planejamento do traçado do empreendimento linear por parte da concessionária, incluindo a localização das subestações. No contexto amazônico, é comum tais estruturas se situarem ou passarem por áreas sensíveis, no interior ou próximas às unidades de conservação, terras indígenas, territórios quilombolas, assentamentos ou florestas públicas, por exemplo. Tais condições são observadas no bojo dos processos de licenciamento, não somente pelo órgão ambiental, mas também por órgãos intervenientes do licenciamento, como Iphan, ICMBio, Funai e Incra, de acordo com bases cartográficas oficiais de diferentes órgãos federais e estaduais. Em diálogo com a concessionária, a ideia foi, portanto, disponibilizar as bases cartográficas oficiais para que o empreendedor pudesse qualificar as etapas de planejamento e concepção do projeto com a inserção das variáveis socioambiental e territorial, de modo a otimizar previamente as análises fundiárias e socioambientais dos projetos. É uma busca por qualificação e aprimoramento dos projetos, antes mesmo de serem submetidos ao licenciamento ambiental.
É possível replicar com baixo custo essa experiência paraense para outros estados?
A gestão do território por meio de sistema de informação geográfica é fundamental na estruturação de dados para apoiar tomadas de decisão, seja no âmbito de políticas públicas ambientais, seja no âmbito do planejamento do desenvolvimento econômico e de infraestruturas. Para tanto, a gestão da informação territorial é primordial. Nossa experiência visa a contribuir com o debate a partir do aprimoramento da gestão de processos de licenciamento ambiental de empreendimentos lineares de infraestrutura. Há muito ainda a ser feito.